Fechamento da passagem de Rafah agrava crise e esgota a esperança em Gaza
Saud Abu Ramadan.
Gaza, 24 jan (EFE).- Vítima de um ataque da aviação israelense no ano de 2000, Usama Askar olha a cada dia com desgosto para a fronteira com o Egito, único vínculo de Gaza com o mundo desde que, em 2007, o grupo islamita Hamas assumiu o controle, o que fez com que Israel impusesse um bloqueio.
Mutilado, os remédios e as cirurgias de que necessita para tratar suas prótese são raridade na Faixa e sua única esperança é que a fronteira que o Egito abre e fecha de acordo com seu “desejo político” permaneça aberta por tempo suficiente para conseguir um dos poucos vistos que são concedidos.
“Não sou só eu, falo de centenas de milhares de pessoas presas aqui, que não podem sair para receber tratamento médico, estudar ou por qualquer outro motivo”, se lamentou na semana passada durante uma manifestação convocada pela Comissão de Direitos Humanos da ONU para exigir a abertura da conflituosa passagem de Rafah.
Essa reivindicação foi parcialmente atendida na última segunda-feira pelo regime egípcio, que decidiu abrir a fronteira até, quinta-feira, embora tenha restringido a passagem a urgências humanitárias, estudantes e estrangeiros.
A medida quase não alivia a dramática situação que vive a maioria dos 1,5 milhões de habitantes da região, condenados a uma pobreza que foi agravada desde que, em julho, o Egito aumentou o controle da fronteira e destruiu cerca de 90% dos túneis de contrabando.
Segundo números não oficiais, esses túneis garantiam que aproximadamente 70% das necessidades comerciais de Gaza fossem atendidas, e eram especialmente úteis para a entrada de material de construção e combustível barato para o funcionamento dos geradores.
No entanto, esses túneis também serviam para o contrabando de armas e para o trânsito de radicais islâmicos na Península do Sinai, argumento utilizado pelo novo governo militar egípcio para destruí-los.
“Desde que os túneis foram destruídos ou inutilizados, a população é obrigada a adquirir produtos mais caros que vêm de Israel, o que deteriorou a economia”, explicou Omer Shaban, economista que vive em Gaza.
Abu Barala Salem vende material de construção na Faixa e está convicto da origem da atual situação: a deposição, no dia 3 de julho de 2013, do presidente egípcio Mohammed Mursi, que era considerado um “amigo”.
“Quando Mursi estava no poder costumávamos contrabandear duas mil toneladas de material de construção do Egito para Gaza, mas na situação atual, dificilmente conseguimos trazer 400 toneladas”, contou.
Alguns de seus colegas adquirem esse material, necessário para reconstruir as casa demolidas pelo exército, através da passagem israelense, embora seja caro e pouco efetivo, já que tanto o trânsito de pessoas como o de materiais, comida e outros produtos está racionado.
Desde então, o já precário acesso à eletricidade se reduziu, até chegar a oito horas diárias ou menos; os preços dos produtos de primeira necessidade dispararam, existem graves problemas para controlar o esgoto, que em muitas ocasiões fica a céu aberto, e a taxa de desemprego subiu para 43%.
Muitos dos moradores de Gaza se viram obrigados a se arriscar pelas passagens e túneis para chegar ao outro lado da fronteira, em busca de trabalho como operários ilegais em Israel, e também para realizar sonhos que talvez pareçam simples, como se casar e formar uma família.
“O fechamento de Rafah impediu meu casamento. Espero que a passagem possa abrir definitivamente para que eu possa encontrar meu marido, que vive no Cairo”, disse Shirin Mohammed, uma noiva de 23 anos de idade.
Originária da cidade meridional de Khan Yunes, o casamento de Shirin com seu namorado, Ahmed, foi marcado meses atrás. Mas, antes da cerimônia, a passagem fechou e Ahmed não pôde retornar, nem sequer através dos túneis.
“A situação econômica e social piora a cada dia, já que as restrições que Egito e Israel impõem são cada vez maiores”, garantiu Alah Rafati, ministro da Economia do Hamas.
“Só a pressão internacional pode fazer com que ambos países reabram os passos e acabe o bloqueio. Só a determinação do povo de Gaza é mais forte”, acrescentou.
Nesta semana, uma delegação de bispos católicos da Europa, África e América do Norte visitou a Faixa e pediu que a comunidade internacional atue imediatamente para a suprir a carência de necessidades básicas.
“Gaza é uma desastrosa obra do homem, um escândalo impactante, uma injustiça que faz chorar e que requer uma solução”, explicaram em comunicado ao deixar o local. EFE
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