Grafiteiro Kobra defende arte de rua como escape para jovens da periferia
Pablo Giuliano
São Paulo, 4 nov (EFE).- Quando era criança, Eduardo Kobra andava pela periferia de São Paulo com um caderno e um lápis; quando era adolescente, com um aerossol e ouvindo hip-hop, e hoje, aos 38 anos, é um dos grandes artistas de rua do Brasil com reconhecimento internacional.
Vindo de uma das regiões mais degradadas e violentas do país, crescer como artista para ele não foi fácil. Seus amigos adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas foram presos ou mortos, mas a arte foi sua válvula de escape.
Nascido em Campo Limpo, zona sul de São Paulo, Kobra é taxativo ao afirmar que, para ser artista não é preciso nascer em berço de ouro, mas batalhar para encontrar canais de expressão.
Um dos grandes grafiteiros brasileiros, com obras expostas em mais de 15 países, Kobra, que entrou pela primeira vez em uma galeria de arte aos 29 anos, é um dos líderes latino-americanos que participam de um projeto conjunto do Escritório Regional do Unicef para a América Latina e o Caribe e a Agência Efe.
“25 líderes, 25 vozes pela infância” reforça a importância da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, que completa 25 anos no próximo dia 20 de novembro.
Em Pinheiros, bairro de classe média-alta de São Paulo, enquanto pintava com aerossol um gigantesco muro multicolorido com os rostos de Chico Buarque e do escritor Ariano Suassuna, Kobra falou sobre como a arte de rua pode ser uma opção de vida para as crianças e adolescentes que não têm oportunidades na periferia.
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PERGUNTA: Como e quando decidiu ser pintor?
Resposta: Nasci em um bairro da periferia, onde não há muita opção de lazer ou educação. Na minha época era ainda muito mais precário. Mais ou menos aos 12 anos senti atração pelo que estava acontecendo nas ruas, conheci os grafiteiros.
Tudo o que aprendi de bom e de ruim foi nas ruas, na cultura hip-hop. Fui preso três vezes por estar grafitando na rua. Foi um começo muito difícil.
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P: Sua formação como pintor se baseia na street art e não na arte clássica. Isto tem a ver com suas origens. Houve algum momento em que você fez uma opção entre a arte de rua ou a arte clássica?
R: Sou autodidata. Entrei em uma galeria com quase 30 anos. Eu não tinha acesso à arte, mas gostava desenhar. Desde os oito anos que andava com meu caderno debaixo do braço. Tinha essa vocação. E realmente não tive muita escolha. Não se se eu escolhi o grafite ou o grafite me escolheu. Foi uma paixão à primeira vista.
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P: A que você atribui a arte urbana ser associada por alguns setores ao vandalismo, às drogas e não a uma forma de expressão popular da juventude?
R: Acho que é preconceito, existe a falsa ideia de que um artista deve ter formação acadêmica, nascer em um berço de ouro, viver em bairros ricos, frequentar escolas de arte, mas não é verdade. Um artista pode nascer em qualquer lugar, uma comunidade pobre, uma favela, um sem-teto. Muitos dos meus amigos que tinham talento para seguir na arte trabalharam em outras profissões. Em cidades como São Paulo pessoas que muitas vezes têm talento precisam que fazer tudo sozinhas, passar dificuldade sem apoio de ninguém.
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P: A arte de rua serve muitas vezes como denúncia. Mas acredita que também pode ter um papel de formador de consciência para as crianças?
R: Uma vez me questionaram sobre este ponto: ouvi que não sou exemplo para as pessoas da periferia, porque sou uma minoria para quem tudo foi bem. Penso o contrário, tenho muito orgulho da minha história na periferia e lutei pelo que tenho, não foi fácil. Uma adolescente do meu bairro me encontrou outro dia e disse que eu o inspirava. As coisas são difíceis, mas não impossíveis.
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P: Geralmente na educação formal as crianças desenvolvem arte nas escolas, mas à medida que crescem o incentivo à criação artística parece diminuir. É verdade isso?
R: Existe uma pressão muito grande da realidade. Muitas vezes uma criança está desenhando, tem o dom, mas se torna impossível desenvolvê-lo. Fui morar sozinho aos 17 anos, pagar minhas contas, e não tinha de onde tirar dinheiro, nesse momento a arte ficou de lado.
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P: Qual é o conselho que daria para a meninada que não encontra lugar para desenvolver seus talentos, que comecem a pintar as paredes de seus bairros?
R: Para quem é carente, eu entendo, é complexo, difícil, mas acho que é possível crer no sonho e segui-lo dentro de uma realidade. Abandonar a arte é algo que não aconselho. O ideal é encontrar uma atividade paralela para sobreviver e continuar com a arte. Algum dia o reconhecimento chegará.
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P: A arte pode ser uma salvação para a vida de muitas crianças da periferia?
R: Muitos amigos que grafitavam comigo foram presos ou morreram, se envolveram com drogas, com o crime. Para mim a arte foi uma válvula de escape, convivia com a situação, mas não me envolvia, não me deixava levar.
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P: Você conhece a realidade das crianças da periferia brasileira, porque foi um deles. Agora que viaja pelo mundo transformando muros em obras de arte, que diferenças vê nas crianças dos países que visita?
R: Nunca imaginei chegar aos lugares que conheci, já visitei 12 países. A essência do meu trabalho continua sendo a rua. Mas assim como fiz um Muro ao lado do teatro Bolshoi, em Moscou, também faço no Capão Redondo (bairro na zona leste de São Paulo).
Em Paris vi um grupo de crianças de seis anos com a professora no Louvre, aprendendo com as obras. É uma realidade muito distante da do Brasil e das periferias brasileiras. Eu sou um exemplo, por ter entrado em uma galeria de arte com 29 anos. No terceiro mundo temos que ter uma vontade que vai além de todas essas dificuldades. EFE
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