Hanawon: o centro de reeducação ao capitalismo para refugiados norte-coreanos

  • Por Agencia EFE
  • 04/07/2014 10h35

Atahualpa Amerise.

Seul, 4 jul (EFE).- O centro de segurança Hanawon é uma passagem obrigatória para os milhares de refugiados norte-coreanos que chegam a cada ano à Coreia do Sul. É lá que eles deixam para trás as marcas da propaganda do regime comunista e onde são preparados para seu novo desafio: sobreviver ao capitalismo em uma das sociedades mais competitivas do mundo.

“Tudo o que aprendia em Hanawon era desconhecido e novo, mas agora sinto que descobri como viver a vida real, e não a que nos impõem na Coreia do Norte”, disse à Agência Efe uma dissidente de 22 anos de sobrenome Lee, que saiu da instituição no final do ano passado.

A ditadura dos Kim na Coreia do Norte utiliza a propaganda constante e o isolamento do exterior como principais armas para controlar seus cidadãos, por isso aqueles que chegam ao sul precisam passar por um processo de reeducação para se adaptar à nova sociedade.

Cercado de montanhas e com o aspecto de uma escola de ensino médio, Hanawon, cuja sede principal fica a cerca de 100 quilômetros de Seul, foi fundado em 1999 e, após o número de refugiados multiplicar, abriu um novo centro em 2012.

Após passarem pela triagem dos serviços de inteligência para detectar possíveis espiões, os recém chegados do norte são internados durante três meses neste complexo, onde além de lições para desmontar a propaganda do regime de Kim Jong-un, recebem serviços educativos, médicos e inclusive religiosos para os que professam algum credo.

Dos 347 internos que neste momento estão abrigados nas duas sedes de Hanawon, 276 são mulheres e 71 são homens, um desequilíbrio que responde a vários fatores, como o fato de que eles realizam um serviço militar de até 13 anos de duração, durante o qual é praticamente impossível escapar.

Além disso, na Coreia do Norte, viajar entre cidades requer autorizações especiais do governo, mais fáceis de serem conseguidas pelas mulheres, o que lhes permite ir a zonas próximas à primeira porta para a deserção: a fronteira com a China.

Após atravessar esta linha marcada pelos rios Yalu e Tumen, os refugiados costumam permanecer um longo tempo na China esperando sua oportunidade de chegar a um terceiro país para pedir asilo na Coreia do Sul.

“Levei sete anos até chegar à Tailândia, onde pedi asilo na embaixada sul-coreana”, relatou Mimi Park, de 24 anos, que classifica sua recente estadia em Hanawon como “longa e cansativa”, porque já tinha aprendido por sua conta na China as habilidades sociais necessárias para sobreviver na Coreia do Sul.

A vida em território chinês é mais fácil para as mulheres norte-coreanas do que para os homens, já que há uma considerável demanda por “imigrantes ilegais” para trabalhar como garçonetes, faxineiras e outros postos relacionados a serviços.

No entanto, o medo de serem detidos e repatriados pelas autoridades e os abusos cometidos pelas máfias – como estupros ou trabalhos forçados – transformam a passagem pela China em um inferno para estes fugitivos, que frequentemente apresentam estresse pós-traumático e outros transtornos em sua chegada à Coreia do Sul.

Por causa disso, uma equipe de psicólogos oferece tratamento no centro de saúde de Hanawon, onde os que sofreram abusos sexuais durante a fuga são tratados também por ginecologistas.

Embora haja várias exceções, o refugiado médio que chega ao território sul-coreano fugiu do norte por fome, tem menos de 30 anos e um nível acadêmico e profissional baixo.

Os cursos de formação profissional de Hanawon buscam facilitar a integração dos refugiados no fortemente competitivo mercado de trabalho da Coreia do Sul, um país onde reina o capitalismo.

Após saírem da instituição, o governo sul-coreano os ajuda a encontrar moradia e lhes fornece de forma gradual US$ 7 mil para que se estabeleçam.

Mesmo assim, muitos refugiados ficam relegados aos postos mais baixos do mercado de trabalho e sofrem a discriminação de uma sociedade altamente materialista que em apenas cinco décadas passou da pobreza à opulência e em parte renega seus famintos irmãos de sangue do norte.

Nas últimas décadas, 26 mil norte-coreanos desertaram rumo ao sul. Deles, 1.516 o fizeram em 2013, um número similar ao do ano anterior, embora longe dos quase 3 mil registrados em 2009, o ano de maior afluência. EFE

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