Iguala, a cidade marcada por uma tragédia abafada pelo medo
Paula Escalada Medrano.
Iguala (México), 7 out (EFE).- Na cidade mexicana de Iguala, onde há nove dias morreram seis pessoas e desapareceram outras 43 em uma ação policial, quase ninguém viu ou soube nada: não sabem onde está o prefeito, não escutaram disparos e ninguém viu os estudantes procurados por todos.
Entre os que não têm conhecimento sobre o que está acontecendo no município está um jovem agricultor morador de Las Parotas, na área de Pueblo Viejo, onde só é possivel chegar após uma longa caminhada por entre pedras e buracos.
“Nós vamos de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, contou o agricultor à Agência Efe, após dizer não ter visto ou ouvido nada estranho na última sexta-feira ou no sábado.
A uma curta distância de sua casa, no máximo dois quilômetros, foram encontradas seis covas no sopé de uma colina, que só pode ser alcançada a pé. Lá os corpos foram sepultados e cobertos com galhos e troncos. Depois, incendiados.
Nem um, dois ou três, mas pelo menos 28 corpos foram queimados no local. Assim confirmou neste domingo Iñaky Blanco, o procurador do estado de Guerrero, onde fica Iguala. Mas o jovem agricultor não viu as chamas ou sentiu cheiro de fumaça ou de carne queimada.
Apesar de Blanco não poder afirmar que os corpos são dos 43 estudantes que desapareceram após a violenta noite de sexta-feira passada, porque os legistas precisam de 15 dias a dois meses para identificar a identidade dos corpos encontrados, os temores que sejam é cada vez maior.
Poucos moradores da cidade sabem de algo que aconteceu naquela noite. Alguns rumores sugerem vinganças de cartéis do narcotráfico e o envolvimento do prefeito.
Um dos rumores mais correntes foi contado para a Efe por um taxista: o prefeito deixou de cumprir um acordo feito com os traficantes que o colocaram no poder, entre outras coisas o controle da polícia, e por isso os traficantes se vingaram trazendo à tona um sistema de corrupção ao fazer uma demonstração pública e violenta de poder.
José Luis Abarca, o prefeito que está foragido desde o início desta semana, se afastou do cargo com a desculpa de facilitar as investigações, após declarar não ter visto ou ouvido nada na fatídica noite de sexta-feira.
Nem mesmo quando os policiais atiraram em ônibus escolares da Escola Normal de Ayotzinapa, nem quando voltaram a disparar na rua no momento em que era concedida uma entrevista coletiva improvisada, nem quando atiraram em outro ônibus, com um time de futebol juvenil; ele não soube nada.
Ninguém o avisou, ninguém lhe pediu permissão para atirar. Ele, contou, estava em um baile com sua esposa.
Ela, supostamente, é famíliar direta de um dos líderes do cartel Guerreros Unidos, que teria financiado a campanha de seu marido e ao qual a maioria dos policiais que foram detidos pertence e, de acordo com os rumores, seria a próxima candidata e provável vencedora das eleições municipais.
Junto à Câmara Municipal continua pendurado um cartaz com a foto do casal, sorrindo, alheio ao fato de ter fugido sem responder à convocação das autoridades.
Assim como ninguém apagou os muros pintados com slogans políticos com os dizeres: “Abarca governa para transformar Iguala”.
E embora haja o temor de que os corpos encontrados sejam dos jovens, os cartazes de procura, com fotos 5×7, continuam espalhados: “Carlos Ivan Ramírez, 20 anos”, “Israel Jacinto Lugardo, 19 anos”, “Julio César López, 25 anos”, “Mauricio Ortega, 18 anos”.
Fotos estas que estão junto à oferta de recompensa de 1 milhão de pesos (R$ 180,6 mil), em troca de informações, oferecida pelo governador de estado, Ángel Aguirre, outro dos grandes prejudicados por este caso que chocou a sociedade mexicana, em função da evidente relação entre as autoridades e o narcotráfico.
Na sexta-feira, poucos viram algo estranho na cidade, apesar de os acontecimentos violentos terem ocorrido nas ruas. Além disso, no sábado de manhã, o corpo de um estudante foi encontrado com a pele e os olhos arrancados.
“É uma pena que isso tenha precisado acontecer para que viessem nos ajudar”, disse à Efe um taxista.
No complicado caminho rumo às covas, muitos moradores dizem não ser dali quando perguntados sobre orientações de trajeto. “Não sou daqui, estou apenas de visita”, são algumas das respostas fugazes. Poucos conhecem o Serviço Médico Legal (Semefo) e preferem ignorar o lugar onde chegam as caminhonetes exalando o cheiro intenso de morte.
Durante todo o final de semana, os corpos foram levados, e médicos legistas entraram e sairam usando máscaras e roupas especiais sem fazer declarações ou qualquer comentário sobre o que viram. EFE
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