Incêndio político em Bangladesh fere cidadãos
Igor G. Barbero.
Daca, 18 mar (EFE).- Dezenas de pessoas feridas, queimadas e mutiladas com um futuro incerto são a face mais dolorosa do conflito político de baixa intensidade que, desde janeiro, afeta Bangladesh com greves e incidentes violentos que deixaram o país em clima de instabilidade.
Vítimas de explosões de artefatos, como coquetéis molotov, são internadas diariamente no Hospital Universitário de Daca, repleto de quartos com homens de origem simples vendados em macas e com os rostos machucados.
Isso tudo resume o sofrimento de uma população assolada pela crise surgida há meses entre governo e oposição.
Os adversários do governo, ausentes do parlamento após boicotar em 2014 as eleições, renovam a cada semana, desde 5 de janeiro, (data do pleito) uma convocação de greve para forçar o governo a um antecipação das eleições que o governo se nega a realizar.
O resultado: 120 mortes (opositores falecidos em choques com as forças de segurança), cadeiras vazias em escolas e universidades, perdas econômicas e uma contínua trocsa de acusações políticas que mantêm o país polarizado.
Entre as 50 pessoas internadas atualmente na unidade de queimados do Hospital Universitário de Daca, que recebeu mais de 160 pacientes até o momento, está Jamir Ali, um trabalhador de 40 anos do ramo da construção.
“O ônibus reduziu a velocidade, e escutei um forte estrondo. Não vi nada. Várias pessoas caíram sobre mim. Quando saí, o ônibus inteiro ardia em chamas. Meu rosto, meus pés… tudo queimava”, narrou ele à Agência Efe, descrevendo o que lhe aconteceu no conflito.
Embora as explosões tenham ocorrido de maneira indiscriminada e em muitos lugares, um padrão recorrente são os ataques a meios de transporte (ônibus, caminhões ou triciclos motorizados) que não seguem a greve opositora.
As queimaduras nas extremidades e na cabeça afetaram a visão e o ouvido de Ali, por isso ele teme não se recuperar para voltar a trabalhar e dar sustento a seus cinco filhos.
“Muitos pacientes desenvolvem traumas, ficam temerosos, têm problemas para dormir e revivem continuamente a experiência. Estão muito preocupados com seu futuro e as sequelas que possam deixar seus ferimentos físicos”, explicou à Agência Efe Rashidul Haque, coordenador do departamento de psiquiatria do hospital.
Segundo Haque, “expelir emoções” em sessões de apoio ajuda as vítimas.
“O que me preocupa é seguir adiante. Sou o único que ganho dinheiro na família. Os partidos deveriam negociar para chegar a uma solução. Só o povo perde”, lamentou-se Jehangir Kazi, com a clavícula deslocada após sofrer uma queda em um ataque.
Os grupos estão muito divididos: a governamental Liga Awami, da primeira-ministra, Sheikh Hasina, e o opositor Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), da ex-primeira-ministra Khaleda Zía, formações dinásticas herdeiras de importante figuras nacionais que disputaram o poder nas duas últimas décadas.
Na semana passada, o país esteve paralisado durante horas por conta de uma crise ainda maior devido à possível detenção de Zía, acusada de corrupção e de instigar o vandalismo e que vive sob constante vigilância no escritório de seu partido.
No entanto, a ordem de detenção que pesa sobre ela não foi ainda executada pela polícia.
“O problema neste país é que ninguém confia em ninguém. Não há uma cultura democrática”, alegou à Agência Efe o escritor e jornalista Haroon Habib.
“Não há um atalho para a crise. A polarização política é muito aguda, piora diariamente e continuará assim. Antes de melhorar, vai passar por sua pior forma”, ressaltou. EFE
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