Inconformismo estudantil ressurge no Japão encorajado pela reforma militar

  • Por Agencia EFE
  • 23/09/2015 06h47

Andrés Sánchez Braun.

Tóquio, 23 set (EFE).- A impopular reforma militar aprovada no último final de semana no Japão reavivou o protesto estudantil, um fenômeno que, apesar de suas respeitosas maneiras, está espalhando o inconformismo em um país que viu poucas mobilizações nas últimas décadas.

Dentro do comitê que convoca desde junho grandes manifestações no arquipélago para protestar contra a mudança legislativa – que permitirá ao exército japonês operar no exterior para apoiar aliados que estejam sendo atacados ou para participar de missões da ONU – chamou a atenção a presença de um grupo denominado SEALDs.

O bloco, cujas siglas significam em inglês “Ação Urgente Estudantil para uma Democracia Liberal”, nasceu há apenas quatro meses em universidades da parte ocidental do país.

E em um tempo recorde formou várias divisões regionais e reuniu milhares de jovens e não tão jovens (desde pesquisadores até mães com crianças se uniram a suas convocações) para protestar contra a iniciativa do governo do primeiro-ministro japonês, o conservador Shinzo Abe.

Suas cabeças visíveis quase não passam de 20, vestem roupa de marca e exibem penteados da moda, em suas concentrações são frequentes palavras de ordem no ritmo do rap e os panfletos que distribuem tem design cuidadoso e moderno, alinhados com as páginas do grupo, que aproveitou o alcance das redes sociais para crescer.

“Muitos dizem que é graças ao nosso talento no campo do design que conseguimos atrair tantos jovens”, disse esta semana Aki Okuda, principal porta-voz e membro fundador de SEALDs, em um discurso no Clube de Correspondentes Estrangeiros de Tóquio.

“Eu acho que simplesmente se deve ao fato de as pessoas estarem indignadas porque o governo não explicou uma reforma que, do nosso ponto de vista, viola a Constituição japonesa”, argumentou este estudante de 23 anos.

O artigo 9 da Constituição, que o Japão adotou a pedido da ocupação americana após sua derrota na Segunda Guerra Mundial, só permite ao país usar a força para se defender, e até agora tinha evitado enviar tropas ao exterior.

No entanto, o governo de Abe aprovou ano passado uma reinterpretação do artigo para poder promulgar a nova legislação, um atalho que evitou o embaraçoso e longo trâmite para modificar a Carta Magna japonesa e que indignou ainda mais os que acreditam que a reforma acaba com sete décadas de pacifismo no Japão.

É verdade que o civismo e as boas maneiras dos SEALDs distam muito dos movimentos estudantis que sacudiram o Japão dos anos 60, que protestavam ferozmente contra o tratado de segurança com os EUA promovido por Nobusuke Kishi (avô de Shinzo Abe) em 1960 e que acabaram derivando, após as revoltas de 1968, nas violentas facções do grupo terrorista Exército Vermelho Japonês.

O próprio Okuda admitiu que o SEALDs não persegue “nenhuma revolução” e que não têm ideologia além do antibelicismo.

Mesmo assim, as palavras do porta-voz do governo, Yoshihide Suga, os tachando de “idealistas desligados da realidade” mostrou que o grupo se transformou em um importante catalisador para que muitos japoneses decidissem ir para as ruas.

Nem sequer o insistente movimento antinuclear surgido após o desastre atômico de Fukushima em 2011 tinha alcançado um poder de convocação semelhante.

Ao mesmo tempo, a recente intervenção de Okuda no parlamento, onde pediu para prestar atenção nas cadeiras que “estão cochilando” e acusou Abe de usar “parábolas incompreensíveis” para explicar sua reforma, mostrou a muitos japoneses uma mordacidade pouco comum em uma sociedade que prima pelo respeito aos mais velhos e aos governantes.

“A visibilidade, essa seria a mudança conseguida até o momento. Que as pessoas possam dizer abertamente o que pensam”, insistiu Okuda esta semana ao enumerar as conquistas de seu grupo.

“Apesar da aprovação da polêmica reforma, as pessoas não vão parar de protestar. Acredito que o estamos fazendo terá um impacto nas próximas eleições”, sentenciou. EFE

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