“Janeiro negro”, massacre continua presente no coração dos azerbaijanos

  • Por Agencia EFE
  • 20/01/2014 07h26

Carmen Clara Rodríguez.

Baku, 20 jan (EFE).- “Janeiro negro”, é com este nome que os azeris lembram 20 de janeiro, data de entrada das brigadas especiais das tropas soviéticas em Baku, feito que precedeu a independência da ex-república soviética.

A turbulenta busca do Azerbaijão pela independência da União Soviética e os conflitos entre armênios e azerbaijanos serviram de pretexto para que o então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev decretasse em 20 de janeiro de 1990 o “estado de exceção” e tentasse sufocar os movimentos de independência da região.

“Meu marido trabalhava no Ministério de Transportes. A entrada das tropas especiais russas fez com que muitos moradores fossem às ruas em sinal de protesto”, disse uma mulher à Agência Efe, diante do túmulo de seu marido.

“Ismayilov foi um deles. No meio da tarde chegou em casa, queria tomar uma xícara de chá e beijar nossos filhos. Dei-lhe um cachecol para se proteger do frio”, explicou.

“Fiquei acordada a noite toda com os meus filhos com idades entre 9 e 11 anos. Pela janela vi o céu se iluminar em consequência dos bombardeios”.

“Não aguentei mais, escondi as crianças debaixo da cama e saí em busca do meu marido. Encontrei seu corpo, baleado, no hospital, tirei o cachecol e desde então o guardo”, conta a mulher de meia idade que usa casaco e gorro de lã para se proteger do frio.

Gorbachev justificou internacionalmente a entrada das forças especiais russas em Baku alegando que os soldados de seu país deslocados para o Azerbaijão eram atacados por atiradores de elite, ação que atribuiu aos grupos extremistas.

No entanto, o relatório realizado nesse período pela ONG Shield afirmava que “não havia evidências” da existência de atiradores de elite.

Uma das primeiras ações das tropas russas rumo a Baku foi atacar a filial da televisão estatal do Azerbaijão.

A ausência deste meio de comunicação propiciou que muitos moradores da cidade desconhecessem o “estado de exceção”, enquanto os tanques russos se situavam estrategicamente na capital do Azerbaijão.

Uma longa fileira de túmulos de mármore nas proximidades do Mar Cáspio, reacende a lembrança dos azerbaijanos mortos em vários massacres no século XX.

Nos primeiros dias da invasão, os soviéticos ocultaram os fatos da opinião pública internacional; a imprensa foi silenciada e a televisão atacada.

Em relatório elaborado pela ONG Human Rights por decorrência dos fatos, considerou a força soviética “desproporcional”.

“Desde 22 de janeiro e durante 40 dias estivemos sem trabalhar em sinal de luto e protesto”, disse à Efe o presidente da Associação de Vítimas, Yusif Bunyatzadeh, diante do túmulo de seu filho.

“Ülvi Yusif Bunyatzadeh era um jovem de 23 anos, um dos fundadores da Frente Popular (movimento independentista) na Faculdade de Línguas Estrangeiras. Falava cinco idiomas, tinha escrito vários livros e entre seus escritores preferidos estava Cervantes”.

“Yusif não aguentou a pressão e atirou em seu pescoço. Deixou uma carta na qual alegou que não podia deixar sua religião, sua pátria e seus pais”, conclui seu pai.

O caso deste jovem escritor não foi o único.

“Ilham e Fariza Allahverdiyeva ficaram casados 19 dias. Ele era militar, ao ver a invasão das tropas soviéticas saiu às ruas, parou diante de um tanque e pediu que não disparassem contra a população. Mataram-no.”

Sua mulher se envenenou. Ela tinha 20 anos e ele 28. São conhecidos como “Romeu e Julieta” do Azerbaijão, afirma um dos integrantes da Associação de Vítimas do Janeiro Negro e pai de um dos mortos.

O cerco a Baku e o “estado de exceção” durou quatro meses, causou 137 mortos, mais de 700 feridos e 800 pessoas foram detidas sem direito às leis, segundo fontes da Associação de Vítimas do Janeiro Negro.

Em 18 de outubro de 1991, um ano e nove meses após o Janeiro Negro, o Azerbaijão conquistava sua independência e os mortos no cerco a Baku hoje são considerados mártires.

Após 24 anos, os sentimentos de seus familiares e pessoas próximas se mesclam entre dor e orgulho. EFE

sm/jcf/ma

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.