Jardim Botânico do Rio apresenta “Una Isï Kayawa – Livro da Cura”
Janaína Quinet.
Río de Janeiro, 18 jul (EFE).- Foi lançado nesta quinta-feira no Parque Lage, no Rio de Janeiro, “Una Isï Kayawa – Livro da Cura”, fruto de uma parceria entre os pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e os índios da tribo Huni Kuin do estado do Acre.
O livro registrou a tradição oral e o saber ancestral das plantas medicinais do povo, também chamado de Kaxinawá, maior população indígena que habita a região do Rio Jordão, no território acreano. Esse conhecimento era até então acessível apenas pela tradição oral, mas agora ele se tornou disponível para toda a humanidade.
O lançamento contou com a presença de pajés e lideranças da região, que lembraram durante o ato o idealizador do projeto, o pajé Agostinho Manduca Mateus Ïka Muru, que morreu em 2011, uma semana após finalizar a oficina de apresentação das plantas aos pesquisadores do JBRJ.
A ideia do projeto surgiu, quando Alexandre Quinet, pesquisador do JBRJ, que realizava uma de suas expedições pela floresta amazônica, conheceu o pajé Agostinho, que lhe contou sobre sua ideia de criar um livro sobre ervas medicinais e as tradições do povo Huni Kuin.
“Este livro foi um projeto idealizado pelo pajé Agostinho, que era um cientista da floresta, um observador e há mais de 30 anos registrava o conhecimento das plantas medicinais. E ele tinha um sonho de deixar esse conhecimento registrado em um livro impresso para as gerações futuras, porque tinha medo de um dia morrer e não passar adiante esse conhecimento”, disse Quinet, chefe do projeto.
O pesquisador explicou que cada etapa contou com a participação e opinião das lideranças indígenas do povo Huni Kuin.
“Foi feito um trabalho participativo, onde todos opinaram em todas as etapas e todas as informações que entrariam na publicação. Todos os pajés tiveram um papel fundamental em cada decisão”.
“O sonho do Agostinho era reunir todos os pajés antigos e os pajés mais novos para que fosse feita uma oficina e esse conhecimento fosse trabalhado. Por isso, durante 15 dias, os 22 pajés da aldeia Huni kuin e nós botânicos trabalhamos no tema das plantas medicinais e nas histórias tradicionais e grande parte do conteúdo desse livro veio dessa oficina”, explicou Quinet.
O trabalho ao todo levou dois anos para ser concluído e para o botânico, isso é só o começo.
“A missão continua. Nós já fomos comtemplados com dois editais recentemente e nós vamos partir para o livro dois. Esse atual tem 106 das 351 plantas reconhecidas como de uso medicinal. Então iniciaremos o trabalho do “Livro Vivo, Escola Viva” e queremos implementar parques medicinais com essas ervas em todas as aldeias Huni Kuins”, concluiu Quinet.
O Coordenador do Centro Nacional da Conservação da Flora Brasileira do Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico, Gustavo Martinelli, participou do ato e falou sobre sua presença em cada etapa do desenvolvimento do livro.
“Eu participei de toda a concepção, a ideia, a elaboração, o estudo, mas o mais importante desse livro é que ele mostrou para mim uma coisa muito importante, que é o conhecimento tradicional de um povo com essa riqueza. Isso vai ao encontro do conhecimento dentro do rigor cientifico e acadêmico, porque na verdade ambos são trocas de experiências. Isso reforça aquele entendimento de que o homem com todo o seu legado de conhecimento não pode se afastar da natureza. Acho que esse é o principal ensinamento que esse povo traz para a humanidade”.
Um dos pajés que participou de todo o processo de desenvolvimento do livro foi Ibã Isaias Sales, pesquisador da floresta. “Espero que a gente possa continuar a nossa pesquisa, pois estamos buscando cada vez mais o resgate cultural e espiritual, e principalmente o uso das nossas ervas medicinais”, disse Ibã
Siã Huni Kuin, também pesquisador da floresta, declarou que o livro tem uma importância não só para os índios, mas para a humanidade. “Este livro é muito importante porque vai ficar registrado, tanto no acervo de museus, de bibliotecas, nas escolas. Isso é o principal, vamos guardar e saber usar economicamente, culturalmente, espiritualmente”.
Para o lançamento, foi construída uma oca chamada Kupixawa, “a casa grande de encontros”, nos moldes da arquitetura usada pelo povo Huni Kuin.
Com 260 páginas resistentes à água, o livro apresenta uma fonte hunikuin, criada a partir das letras manuscritas dos cadernos de pesquisas dos pajés e aprendizes além de fotos de todas as plantas descritas na publicação.
Por conta do lançamento do livro, várias atividades gratuitas serão realizadas no Parque Lage. Elas abrangerão uma exposição de fotografias de Camilla Coutinho Silva, debates, mostra de filmes indígenas com curadoria de Zezinho Yube, contação de histórias por pajés, passeios nos jardins, oficinas de tecelagem e pintura corporal, rodas de canto, entre outros eventos, com o objetivo de apresentar a cultura Huni Kuin indígena aos moradores do Rio.
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