Lei que mudou a história dos negros nos EUA completa 50 anos

  • Por Agencia EFE
  • 02/07/2014 07h34

Damià Bonmatí.

Montgomery (EUA), 2 jul (EFE).- O “não” dela mudou a história dos Estados Unidos. Rosa Parks, a mulher negra que se reergueu ao se sentar, a costureira de Montgomery que se negou em 1955 a ceder seu lugar no ônibus a um branco, é um dos símbolos do movimento que deixou a comunidade afro-americana dos Estados Unidos mais perto da igualdade.

Nesta quarta-feira, 2 de julho, a lei de Direitos Civis que proibiu a discriminação no país completa meio século. Foi uma das maiores conquistas do movimento cidadão por direitos através da legislação, a ação pacífica e a voz de líderes como Martin Luther King e Rosa Parks.

Em Montgomery (Alabama), núcleo desse movimento histórico, o vigia do cemitério de Oakwood guarda até as cicatrizes silenciosas da história negra.

“Nessa região só há afro-americanos enterrados. (As cores) não podiam se misturar”, explica diante das sepulturas mais rústicas, nas quais estão os corpos de escravos do século XIX e “cidadãos de segunda” do século XX.

No segregado sul do país, os negros nasciam em hospitais separados e eram enterrados em áreas diferentes, após uma vida em que não podiam estudar nas escolas para brancos, nem viajar em seus assentos, nem comer em seus restaurantes, nem usar o mesmo banheiro público.

Os pais de Linda Brown, uma menina de sete anos do Kansas, não entendiam por que sua filha precisava viajar diariamente até uma afastada escola para negros se dispunham de um centro público reputado em seu mesmo bairro. Era para brancos.

Os tribunais menores ignoraram várias queixas semelhantes no sul racista, mas o caso dos Brown chegou ao Supremo Tribunal e a máxima instância judicial lhes deu a razão: haver escolas só para brancos e outras só para negros era inconstitucional.

A decisão judicial de 1954 foi “um elo crítico para o movimento de direitos civis moderno”, analisa seis décadas depois o professor Howard Robinson, do Centro Nacional para o estudo dos Direitos Civis, situado no Alabama, em entrevista à Agência Efe.

O estado do sudeste dos Estados Unidos, com florestas frondosas e terra do personagem Forrest Gump, tinha nos anos 1950 uma das políticas mais discriminatórias contra os afro-americanos e liderou as queixas para obter a mudança.

Apenas quatro dias depois da histórica resolução judicial, uma ativista de Montgomery, Jo Ann Robinson, escreveu uma carta ao prefeito da cidade. Era 1954 e o movimento pela equidade já não tinha volta.

A ativista pedia ao prefeito que acabasse com os ônibus urbanos segregados. Os negros, que representavam 75% dos usuários, precisavam pagar na parte dianteira, voltar a sair, subir pela porta traseira e sentar-se apenas nas áreas indicadas para as pessoas “de cor”.

Rosa Parks não foi a primeira mulher de Montgomery a protestar, mas a que somou a determinação e a liderança necessárias para fazer história. “Foi uma catalisadora da mudança”, conta à Efe Georgette Norman, diretora do museu dedicado à costureira “silenciosa e forte que não queria bustos nem homenagens”.

“Ela era a pessoa que precisava começar o protesto, alguém de quem não se podia falar mal nem encontrar nenhuma falha que diminuísse a atenção ao assunto”, avalia a diretora do centro, que fica na mesma calçada de Montgomery na qual Parks, em 1º de dezembro de 1955, foi obrigada a descer do ônibus e detida.

A comunidade soube que aquele era o momento e começou um boicote para que nenhum operário negro e nenhuma empregada fosse trabalhar de ônibus: pegavam um táxi ou caminhavam duas horas sob o sol.

“Estamos cansados de ficar segregados e humilhados. Não temos alternativa a não ser protestar”, proclamou em uma igreja a seis ruas do “não” de Rosa Parks um pastor recém-chegado à cidade e que se tornou o líder do boicote.

Era Martin Luther King Jr. “Foi um sucesso e quase 50 mil pessoas se somaram ao boicote”, explica à Efe Wanda Battle, cujos pais eram amigos do reverendo King e cujo trabalho hoje é guiar os visitantes na única igreja em que o líder negro professou como pastor. “Para mim é como fechar o círculo”.

A greve, que durou 381 dias, culminou com uma resolução do Tribunal Supremo que ilegalizou os ônibus segregados na cidade e somou uma nova conquista na cruzada contra a segregação sulina.

Em pouco mais de uma década, os afro-americanos, através dos advogados da Associação Nacional para o Avanço de Gente de Cor (NAACP), conseguiram que a justiça desbancasse as escolas segregadas, além dos ônibus, e as estações, e os trabalhos reservados aos brancos.

Em 2 de julho de 1964, Lyndon B. Johnson, o vice-presidente que assumiu após o assassinado presidente Kennedy, sancionou a lei que acabou sobre o papel com a discriminação no espaço público dos Estados Unidos.

Nas imagens da empresa, que completa meio século, logo atrás do líder, esboça um breve sorriso Martin Luther King.

Apesar da filosofia de não-violência, King enfrentou uma década muito conturbada e testemunhou como os grupos racistas se radicalizaram e dezenas de ativistas negros morreram assassinados.

O líder foi testemunha das grandes mudanças legislativas e premiado com o Nobel da Paz, mas também acabaria morto com um tiro em 1968, aos 39 anos. “Durante dias, o tempo e a respiração de todos nós pararam”, lembra Wanda, que na época tinha 12 anos e brincava com os filhos do pastor.

“Mas o movimento segue vivo para lutar contra as injustiças”, acrescenta, antes de começar a cantar uma das famosas canções da época que mudou Wanda e mudou todo o país. EFE

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