Líbia, do sonho revolucionário ao pesadelo que ameaça o norte da África
Mohamad Abdel Qadeer.
Trípoli, 17 fev (EFE).- Quatro anos depois da revolta que acabou com o regime ditatorial de Muammar Kadafi, a Líbia se tornou um país de sonhos despedaçados, vítima do caos e da guerra civil, onde a paz está longe do horizonte e a ameaça dos grupos jihadistas simpáticos ao autoproclamado Estado Islâmico (EI) cresce e se afiança.
Praticamente uma cópia nas margens do Mediterrâneo de estados fracassados como a Síria e o Iraque, nos quais a ausência de um plano de transição para além da queda de um ditador promovida pelo Ocidente deixou um terreno baldio no qual grupos islamitas, partidários do regime deposto, senhores tribais e traficantes de armas, drogas, petróleo e pessoas se aliam e se matam.
“Os líbios nunca acharam que quatro anos depois da revolução estariam lutando entre eles ou contra grupos terroristas que tiram proveito do caos e cometem crimes abjetos”, escreveu hoje Bernardino León, enviado especial da ONU para a Líbia, em carta divulgada pela imprensa local.
“É nossa oportunidade de conseguir um acordo em questões de segurança para pôr fim à guerra e conseguir a retirada dos grupos armados para que o Estado possa recuperar o controle das instalações vitais”, acrescentou.
Uma tarefa titânica que hoje, analistas e diplomatas na região definem como uma quimera que o Ocidente anseia para apagar, um erro semelhante ao cometido em 2003 no Iraque, condenado a mais de uma década de instabilidade e violência.
“Existem características semelhantes com o Iraque e a Síria: divisão étnica ou confessional, dívidas históricas entre comunidades e recursos naturais cobiçados”, explicou à Agência Efe Nasser al Hani, analista tunisiano em movimentos islamitas.
“O único cimento que mantinha unida a sociedade era Kadafi e sua ditadura. Uma vez que o tirano caiu, apareceram as fendas”, assinalou um diplomata ocidental retirado da Líbia por causa da deterioração da segurança.
A revolta contra Kadafi começou no leste no final de janeiro de 2011, com uma série de protestos sociais inspirados nas revoltas que aconteciam na Tunísia e no Egito, movimento que ficou conhecido como primavera árabe.
No meio da repressão, jovens líbios replicaram as estratégias de seus vizinhos e convocaram pela internet para 17 de fevereiro uma “jornada da ira”, que acabou significando o início da revolta armada na região oriental da Cirenaica e na cidade de Benghazi, tradicionalmente hostis à satrapia tribal de Kadafi.
Em meados de março e em plenos combates entre o exército regular e os rebeldes, França, Reino Unido e Estados Unidos decidiram pôr seus aviões de guerra a favor dos rebeldes, que, com a intervenção posterior da Otan, desequilibrariam a balança e sentenciariam seis meses depois o destino de Kadafi, executado pelos rebeldes.
“O problema na Líbia é semelhante ao do Iraque. A intervenção militar estava bem definida, mas ninguém planejou o dia seguinte”, ressaltou o diplomata, que preferiu não se identificar.
Quatro anos depois, a guerra é ainda uma realidade que escurece a vida cotidiana dos líbios, vítimas do apetite de poder de dois governos enfrentados e da feroz intransigência dos movimentos jihadistas, assentados no leste do país.
No terreno político, um executivo de transição rebelde instalado em Trípoli resiste a entregar o poder ao parlamento legitimamente eleito e reconhecido pela comunidade internacional e exilado em Tobruk.
E no militar, milícias islamitas moderadas ligadas ao parlamento em fim de mandato enfrentam as tropas do general sublevado Khalifa Hafter, herói da guerra com o Chade nos tempos de Kadafi, e que agora luta em favor do governo em Tobruk com o apoio do exército regular e de países como o Egito.
Beneficiados pela anarquia e pelo vazio de poder, jihadistas vindos de estados vizinhos conseguiram tomar o controle de Darna e estabelecer ali uma franquia do EI.
Integrados por radicais tunisianos, egípcios, líbios e argelinos que viajaram para Síria e Iraque e retornaram com treinamento e experiência em combate, avançam há semanas rumo a cidades como Sirte, onde há poucos dias assassinaram 20 cristãos egípcios.
Muitos são ex-membros de grupos radicais do Sahel, como a Al Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), com experiência e contatos em seus países de origem, que como na Síria e no Iraque mudaram de lado, o que faz com que a Líbia seja também “a principal ameaça para o norte da África”, advertiu Hani. EFE
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