Lifta, o eco triste da “catástrofe” palestina nas portas de Jerusalém
María Sevillano.
Lifta (Cisjordânia), 15 mai (EFE).- A entrada noroeste de Jerusalém tem nome e identidade: Lifta, a única aldeia árabe que sobrevive das 68 que rodeavam a cidade santa antes da criação do Estado de Israel, e na qual ainda hoje ressoam os ecos da Nakba, ou “catástrofe” em árabe.
Uma data marcada a fogo no calendário palestino e na qual se lembra – neste ano a comemoração será nesta quinta-feira – a assinatura em 1948 de uma pacto que dividiu a Palestina histórica em duas e propiciou a expulsão de mais de 750 mil pessoas, refugiadas até hoje.
Cerca de três mil dessas pessoas tiveram que abandonar Lifta, antigo enclave cuja história remonta há 2 mil anos e que ainda hoje, incrustada em uma encosta de um verde vale onde a exuberante vegetação come o terreno de algumas ruas, é possível apreciar a beleza que um dia houve nesse lugar.
“Toda a área era um campo de oliveiras e árvores frutíferas que cada um decidia plantar e todos cuidavam”, contou Yacoub Odeh, um palestino de 74 anos que organiza tours para contar a história do lugar que foi forçado a abandonar quando tinha oito.
Sua respiração entrecortada, amplificada pelo microfone, intensifica a emoção de suas palavras ao rememorar o dia a dia do arruinado povoado, de mais de 500 casas, que era administrado de forma comunal.
No começo da viagem no tempo, onde ele situa sua escola, só é possível perceber o esboço da saída de um túnel, início de uma ponte de 74 metros de altura e 96 metros da futura estrada que partirá do vale.
“Será outra violação para Lifta. A Autoridade israelense da Terra, encarregada de cuidar destes terrenos, toma decisões sem avisar para mais ninguém”, denunciou.
O palestino ainda comenta sobre uma licitação para construir 245 casas de luxo, um centro comercial, um museu e um hotel como parte de um plano de reurbanização da área, que foi suspenso pelo Tribunal de Distrito de Jerusalém por “razões técnicas”.
“A aldeia se assemelhava aos povos da antiga Babilônia. Agora, ao invés de manter seu esplendor, se transformou em um refúgio para gente sem lar e drogados”, lamentou o antigo morador.
Os judeus ultraortodoxos que se aproximam do lugar para se banhar em um dos dois depósitos que recolhem a água de uma cascata na praça entorpecem a recriação dos cheiros e imagens que Yacoub tenta reviver.
“A aldeia não são só casas, pedras e árvores; a aldeia está viva”, comentou este recontador da história local. “Lembro maravilhosamente das noites à luz da lua entre as árvores, quando os vizinhos se reuniam sob a lua cheia para narrar histórias das Mil e Uma Noites”.
“Tocavam instrumentos e cantavam canções. Era um lugar especial, formoso”, rememorou.
As propriedades dos habitantes de Lifta foram expropriadas em 1950 sob as “Regulações de Emergência” da Lei de Ausência israelense, segundo a qual o recém-criado Estado tomaria o controle das posses dos refugiados até que sua situação política se regulasse.
“Éramos reis, tínhamos tudo o que necessitávamos e nos transformamos em mendigos”, disse com emoção.
Muitos terminaram vivendo na própria Jerusalém, muito próximos a seus velhos lares, na Cisjordânia, e alguns outros viajaram para Jordânia, mas nenhum deles recuperou sua posse apesar de estar sob o amparo da resolução 194 da ONU, que reconhece o direito dos refugiados a ser repatriados.
Agora, as estruturas das antes majestosas casas, ainda sobre seus alicerces, apresentam grandes fendas que segundo Yacoub foram feitas pelo exército israelense para evitar o retorno do seu povo.
“Éramos um enclave no qual lutadores e líderes costumavam comparecer para discutir assuntos importantes durante o mandato britânico. A ocupação israelense destruiu parte das construções por medo de que os aldeães quisessem retornar”, explicou com orgulho.
Esta ideia nunca desapareceu. “Nosso objetivo é retornar. Com isso seremos felizes, se pudermos voltar para casa. Sou um refugiado e cheirar as plantas da minha mãe me lembra a maravilhosa vida que uma vez tive aqui, quando tinha oito anos. Nunca esquecerei.”
E embora cada visita retorça seus sentimentos -“só volto como um turista e não posso ficar”-, mantém a esperança de que algum dia seu “paraíso” será reconquistado.
“Sua ideia (dos israelenses) era que os velhos morreriam e os jovens esqueceriam. Mas nós nos esforçamos em educá-los e assim faremos posteriormente para que a ideia do retorno não morra jamais. Contamos nossas histórias mostrando mensagens, mantendo as memórias vivas”, afirmou.
“As armas não darão o poder de permanecer aqui. No final, a vontade do povo prevalecerá e conseguiremos o que queremos: voltar para casa, ser livres em nossa terra, em nossos lares, em nosso país. Não é um presente, é um direito”, concluiu. EFE
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