Livro de anotações pessoais de João Paulo II chega às livrarias com polêmica
Nacho Temiño.
Varsóvia, 5 fev (EFE).- O livro “Estou nas mãos de Deus. Anotações pessoais de 1962 a 2003”, que reúne notas particulares de João Paulo II guardadas por seu secretário, o cardeal Stanislaw Dziwisz, foi lançado nesta quarta-feira nas livrarias da Polônia entre críticas de fiéis que lamentam que sejam lançados escritos que o papa nunca quis publicar.
A obra traz as experiências espirituais do pontífice polonês, junto a orações, reflexões e comentários.
Stanislaw Dziwisz, que foi secretário pessoal de Karol Wojtyla durante mais de 40 anos, guardou as páginas que deveriam seriam queimadas, apesar de ter sido a vontade expressa de João Paulo II antes de sua morte.
Por esse motivo, a publicação do livro veio acompanhada de polêmicas e críticas por parte de muitos fiéis, algo que Henryk Wozniakowski, presidente de Znak, a editora responsável pelo lançamento, assegura não entender.
“É claro que a polêmica vem do fato de que o papa escreveu na primeira versão de seu testamento, em 19 79, que seus apontamentos pessoais, deixados nas mãos do então padre Dziwisz, deviam ser destruídos”, explicou à Agência Efe Wozniakowski. Mas, segundo sua opinião, Karol Wojtyla não se referia exatamente aos cadernos agora publicados.
“Eu acho que o padre Dziwisz sabia perfeitamente o que João Paulo II tinha em mente quando falava de apontamentos pessoais e do que devia ser destruído”, acrescentou o presidente da “Znak”, que publicará 130 mil exemplares do livro na primeira tiragem.
“De fato, quando perguntamos ao cardeal Dziwisz se tomou a decisão correta ao publicar estes apontamentos, ele sempre responde que o que tinha que ser destruído foi destruído, e o que devia ser guardado como uma prova a mais da santidade do papa e de seu trabalho espiritual foi guardado”, lembrou.
O livro, que será editado em Português e em Espanhol pelo Grupo Editorial Planeta, reúne dois cadernos escritos por Karol Wojtyla em que é possível se observar detalhes da sua vida religiosa, e não a pessoal. De acordo com a representação da editora no Brasil, ainda não há previsão de lançamento da obra.
“Não há lugar para as indiscrições”, ressaltou Wozniakowski.
“Algumas notas se distanciam um pouco e revelam certas diferenças com alguns sacerdotes subalternos, mas o próprio João Paulo II não dá referências da identidade desses religiosos, omite seus nomes, apenas expressa o desejo que a oração ajude a superar essas diferenças”, afirmou.
Em outro caso, o papa faz uma reflexão sobre o fato de que, quando foi nomeado cardeal da Cracóvia e papa, dois amigos seus, e nesse caso ele cita, sofreram graves problemas de saúde, algo que faz com que o pontífice notasse que suas ascensões sempre foram acompanhadas do sacrifício de pessoas próximas.
Ainda que os poloneses não tenham gostado da origem das anotações, o cardeal Dziwisz explicou, em várias ocasiões, que a decisão “não foi fácil” e que faltou coragem para destruir algo tão relevante “como as anotações do santo padre”.
“Na verdade são anotações muito valiosas porque se trata de prova valiosíssima do profundo e sistemático trabalho espiritual que realizou o papa ao longo de sua vida, com um grande esforço por objetivar a experiência religiosa”, disse Wozniakowski.
Para ele, “João Paulo II era um intelectual e possuía grande espiritualidade. Seus escritos “deixam constância de uma grande harmonia entre o emocional da fé e o controle intelectual”.
Na obra, o papa “justifica o processo intelectual, inclusive o direito a considerar intelectualmente as questões da fé através do caminho Mariano”, lembrou o editor.
Assim, o livro obriga os leitores a refletir para entender o que João Paulo II queria dizer quando, por exemplo, reflete sobre o martírio da cruz e escreve o seguinte paradoxo: “Somente Deus pode sentir plenamente o abandono por Deus”.
Na opinião de Wozniakowski, trata-se de uma leitura obrigatória para os fiéis que queiram descobrir a “verdadeira espiritualidade” de Karol Wojtyla.
Além disso, a publicação representa um grande trabalho de edição, já que se trata de anotações à mão, “difíceis de ler, escritos abandonados, já que eram para o próprio autor e com apontamentos em vários idiomas”.
A Znak foi a primeira editora a publicar os escritos de Karol Wojtyla quando ele era bispo e cardeal da Cracóvia nos anos 60 e 70, e também a primeira que publicou seus escritos após ser eleito papa.
Os direitos autorais de propriedade intelectual de “Estou nas mãos de Deus. Anotações pessoais de 1962 a 2003” foram cedidos pelo cardeal Dziwisz para a construção do templo em homenagem a João Paulo II na Cracóvia. A construção será finalizada após a canonização do pontífice polonês, prevista para 27 de abril no Vaticano. EFE
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