Malhães admitiu ajuda na captura de argentinos, diz Comissão da Verdade

  • Por Agencia EFE
  • 30/05/2014 18h54

Rio de Janeiro, 30 mai (EFE).- O coronel reformado do exército Paulo Malhães, assassinado em abril, reconheceu ter sequestrado e fichado dissidentes argentinos durante a ditadura, segundo documentos divulgados nesta sexta-feira pela Comissão da Verdade.

Em depoimento à Comissão, Malhães reconheceu que, por ordem do então presidente da República, cujo nome é omitido, “capturou” e “mandou outra vez à Argentina” um “montonero importante”.

Segundo esse depoimento, Malhães assegurou ao ditador que “não tinha que preocupar-se” com dissidente argentino porque “o sujeito já estava na Venezuela”, pelo menos oficialmente.

Malhães explicou ao ditador que drogou e capturou o dirigente dos Montoneros (organização político-militar argentina e guerrilha urbana) e depois utilizou um “dublê” para dar a entender que tinha partido rumo a Caracas, onde residia grande parte dos exilados latino-americanos.

Enquanto desenvolvia a farsa do retorno à Venezuela, Malhães entregou o opositor às autoridades argentinas.

O coronel reformado concluiu dizendo com ironia, segundo a transcrição de seu depoimento perante a Comissão, que “o sujeito nunca se comunicou da Venezuela com a Argentina” e que, deste modo e de maneira oficial, “desapareceu, desapareceu na Venezuela, não no Brasil”.

O argentino foi, segundo o depoimento, capturado no aeroporto internacional do Rio de Janeiro durante a escala de um voo quando se dirigia a uma reunião da chamada Junta de Coordenação Revolucionária.

Durante o depoimento de mais de 20 horas, Malhães também reconheceu que enquanto desenvolvia seus trabalhos para a ditadura militar brasileira soube que um grupo de argentinos chegaria ao Rio de Janeiro.

Entre esses opositores se encontravam alguns que tinham status de “exilados políticos pela ONU e outros não”, motivo pelo qual “mandou fotografar todo o mundo”.

“Eu quero que vocês saíam, tirem fotos de todo mundo. Eu quero esses caras todos fotografados. Eu não sei quem eles são, não quero que vocês saibam quem eles são. Eu só quero fotografia deles”, disse ter ordenado a seus subordinados.

Segundo afirmou, as autoridades da ditadura argentina sabiam que, assim como alguns militantes dos Montoneros, líderes do Exercito Revolucionário do Povo (ERP) e do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros do Uruguai “tinham estado ou estavam no Brasil” e queriam que essa informação fosse “verificada”.

Malhães explicou que fez um “álbum de fotografias” com aqueles que foram retratados e o mostrou aos dirigentes argentinos.

Os hierarcas responderam então que conheciam os opositores fotografados e perguntaram a Malhães se sabia sua localização.

O ex-coronel respondeu que a conhecia “mais ou menos”, mas sabia que estavam no “Rio de Janeiro e os lugares que frequentavam”, e assim iniciou “outra operação” diferente da qual não deu detalhes.

“Fiquei famosíssimo na Argentina por causa disso, me deram medalha da Argentina”, disse o coronel, que morreu um mês depois de falar à comissão.

Malhães, que também admitiu ter participado de torturas e assassinatos de presos políticos brasileiros, foi encontrado morto no dia 25 de abril em sua casa na cidade de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro.

Segundo informaram inicialmente fontes policiais, o coronel reformado, que tinha então 74 anos, foi amarrado e assassinado por ladrões que invadiram sua casa e que roubaram computadores e armas de sua coleção pessoal.

No entanto, sua morte foi atribuída depois a um infarto sofrido durante o assalto à casa, na qual os ladrões permaneceram cerca de nove horas, embora a investigação continue centrada em seu possível assassinato. EFE

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