Marrocos protege seus judeus, mas se preocupa com Israel

  • Por Agencia EFE
  • 10/04/2014 11h05

Javier Otazu.

Rabat, 10 abr (EFE).- No Marrocos é possível dizer que o judeu é bom e o israelense mau: é de bom tom reivindicar o legado judeu e proteger a comunidade hebraica, mas não propor uma aproximação com Israel e seus cidadãos.

Um observatório contra a normalização das relações com Israel publicou, na semana passada, um relatório no qual recolhiam minuciosamente os nomes de pessoas e instituições que durante 2013 contribuíram com a tarefa de criar vínculos de qualquer classe com Israel, estado com o qual Marrocos não tem qualquer relação desde 2000.

Nesta espécie de “lista negra” aparecem os nomes de um conselheiro do rei Muhammad VI, de um tenista, de um diretor de cinema e de acadêmicos e estudantes que ousaram viajar a Israel, reunir-se com israelenses e inclusive convidar quase em segredo israelenses ao Marrocos. No total, foram denunciadas 39 atividades a favor da normalização em um ano.

Segundo o presidente do observatório, Ahmed Uyhman, no relatório foram omitidos os nomes de marroquinos que participaram de atividades com israelenses “induzidos ao erro, e que posteriormente fizeram autocrítica e se retrataram”.

“Israel é um Estado de segregação racial e apartheid, não devemos normalizar nossas relações com eles”, declarou à Agência Efe Uyhman, ao ressaltar: “Não temos nada contra os judeus, com exceção dos que ocupam a Palestina e os que os apoiam, e estamos muito orgulhosos da história plural do Marrocos, árabe, berbere e hebreia”.

Não há político marroquino que renegue a contribuição judaica à cultura do Marrocos, e assim é possível entender a reabertura de uma sinagoga restaurada em Fez em 2013 pelo islamita Abdelilah Benkirane, chefe de governo, ou a declaração do ministro da Cultura, Amine Sbihi, de que é “um dever nacional” preservar o patrimônio judeu.

No entanto, o nome de Israel envenena todo tipo de debate: uma exposição sobre o legado hispano-judaico no Instituto Cervantes de Tânger foi no mesmo dia de sua inauguração, no último mês de fevereiro, alvo da ira dos manifestantes contra a normalização porque era patrocinada pela Casa Sefarad-Israel, instituição que apesar de seu nome é cem por cento espanhola.

Quatro partidos políticos – desde islamitas até ex-comunistas – apresentaram no parlamento um projeto de lei para proibir todo contato com o Estado judeu, enquanto uma proposta parecida do Partido Autenticidade e Modernidade (criado por personalidades próximas ao rei marroquino) foi finalmente retirada.

“Ganhou a corrente de covardes e medrosos, que cedem às pressões estrangeiras”, disse Uyhman para explicar a retirada dessa segunda proposição.

Uyhman fez referência ao ministro das Relações Exteriores holandês, Frans Timmermans, que em janeiro disse perante o Parlamento de seu país que a mera notícia desses planos era alarmante e pediu a Muhammad VI para freá-los. “É uma intromissão intolerável em nossa soberania”, afirmou Uyhman.

Os integrantes da “lista negra” de “normalizadores” não são necessariamente pessoas que pedem relações políticas com Israel. Há casos até de esportistas que jogaram com um israelense em um torneio e de cineastas que viajaram a Israel para entrevistar idosos judeus marroquinos que vivem ali.

Só um pequeno grupo de ativistas berberes, fartos de décadas de arabismo obrigatório, preconiza abertamente relações mais “normais” com Israel, mas também estão cansados de adotar permanentemente uma atitude defensiva perante quem os demoniza.

Entre eles está Ahmed Dgharni, fundador do Partido Democrata Berbere. “Eu digo que a normalização não é meu tema, o conflito palestino é distante demais e nós marroquinos devemos nos ocupar de nossos problemas; os palestinos já têm um Estado reconhecido internacionalmente e têm contatos com Israel, quem somos nós para nos intrometer?”, refletiu.

Mas nem todos veem assim. Para Uyhman, quem busca normalizar relações com Israel “não são apenas instrumentos, marroquinos pobres que aceitam os convites de ricos institutos de Israel”, mas no fundo “quem o faz tem um nome: traição”.

O rei Hassan II, pai do atual monarca, sempre manteve discretas relações com Israel (e até chegou a abrir um escritório de ligação com esse país) e atuou como mediador em conversas secretas entre palestinos e israelenses, impondo-se perante uma classe política profundamente anti-israelense, mas que jamais fez oposição ao rei.

O monarca atual também tem o apoio da classe política, mas Muhammad VI abandonou toda instabilidade mediadora no conflito palestino-israelense e não se pronunciou até o momento sobre um debate que não parece estar entre seus principais temas. EFE

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