Medo de magia negra estimula caça às bruxas no Camboja

  • Por Agencia EFE
  • 22/08/2015 08h18

Ricardo Pérez-Solero.

Banlung (Camboja), 22 ago (EFE).- Feiticeiros capazes de colocar um alfinete no estômago de seu inimigo, bruxos cuja cabeça vaga pela noite separada do corpo e espíritos que protegem ou atormentam são exemplos do temido mundo sobrenatural no Camboja.

Quando a filha de um chefe da aldeia Ket Thom ficou grávida, viu em sonhos o bruxo da cidade, um presságio de azar que se cumpriria quando morreu junto com seu bebê no parto, igual havia acontecido com outras mulheres grávidas.

“Alguns aldeões viram o espírito (do bruxo) e às vezes só a cabeça sem o corpo, e após visitá-los a pessoa que daria à luz morreu” contou à Agência Efe Roctom Pean, pai da falecida e líder de 73 anos desta comunidade da etnia jarai.

A pequena aldeia está perto de Banlung, capital da província de Ratanakiri, no nordeste do país, onde cerca de metade da população pertence a minorias étnicas, cujas crenças se baseiam no animismo, muito estendido em todo Camboja junto ao budismo.

Convencidos que um de seus moradores é um mestre da magia negra, ou “Kru thmup” na língua khmer, os aldeães decidiram expulsá-los da comunidade, uma medida razoável, já que em muitos casos os suspeitos de bruxaria são assassinados.

“As pessoas estão muito assustadas. Temos medo porque não podemos tocá-lo e alguns não podem vê-lo. Não é como o búfalo ou o porco que podemos ver e matar quando tentam atacar, mas com uma pessoa como esta não vemos quando nos ataca”, disse Roctom Pean.

Agora o homem acusado de bruxaria e sua família vivem em uma plantação a poucos quilômetros da cidade, sem a possibilidade de escapar do estigma já que “algum dia seus filhos herdarão a magia do pai”, acrescentou.

Neste ano houve casos de assassinatos a sangue frio em zonas rurais de outras províncias como Moldukiri e Kompong Speu, e no ano passado, um feiticeiro foi apedrejado até a morte na província de Takeo.

O antropólogo especializado no Camboja, Khan Ovesen, considerou que “as acusações, em geral, são basicamente mecanismos de exclusão social, causados por inveja, ciúmes, medo, vingança ou aspirações de poder”, disse em declarações ao “Phnom Penh Post”.

A poucos quilômetros de Banlung, capital de Ratanakiri, uma cabana se destaca, solitária entre as plantações de caju, manga e tabaco.

Em seu interior, Khieng Ay – um homem da etnia tampuan, conhecido por utilizar a magia para curar doenças e “proteger dos maus espíritos”, vive com sua mulher, cachorros, gatos, galinhas e eventuais visitantes que vêm buscar seus serviços.

“Alguns médicos são capazes de enviar maus espíritos dentro do corpo, para deixar as pessoas loucas ou coisas assim, podem cobrar muito dinheiro por isso, mas dá problema no futuro. A mim isso não interessa”, exclamou o curandeiro enquanto endurecia o rosto.

“Se você aprende isto tem que respeitar os limites”, continuou, enquanto introduzia uma vela acesa na boca e colocava um ovo em pé, sinal de que já pode se conectar com os espíritos.

A profissão de Khieng Ay não será continuada por seu filho Shiphay, um sintoma de que as tradições esotéricas estão desaparecendo devido ao desenvolvimento do país, como defende Ryun Patterson, autor de um livro sobre a magia no Camboja.

No entanto em Ratanakiri, onde vivem até nove grupos indígenas diferentes, o difícil acesso aos assentamentos nas colinas, a natureza nômade de muitos grupos e as diferenças culturais atrasaram o impacto da influência exterior.

Segundo o relatório do Pacto dos Povos Indígenas da Ásia de 2015, a coexistência com os espíritos ainda tem um papel determinante, e os povos podem decidir a mudança para outra região se “os espíritos da natureza não querem conviver com eles”. EFE

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