Mentiras, manipulações e lendas urbanas sobre um muro secreto
Gemma Casadevall.
Berlim, 5 nov (EFE).- Mentiras, manipulações e até lendas urbanas fazem parte dos 28 anos de existência do muro do Berlim, desde sua construção até sua queda, sobre a qual não há também uma verdade única, além de ter ocorrido em uma noite da história recente da Alemanha.
“Ninguém tem a intenção de levantar um muro”, afirmou o chefe do Estado da República Democrática Alemã (RDA), Walter Ulbricht, em 15 de junho de 1961. Apenas algumas semanas depois, em 13 de agosto, Berlim amanheceu partida por uma cerca.
Foi uma flagrante mentira, já que seu regime trabalhava com afinco e sob segredo na ainda precária divisão, que os berlinenses viram surgir em um domingo de manhã: um esqueleto do que se tornou depois no “muro da vergonha”.
Desde 1949, ano de fundação da RDA, até 1961, fugiram 2,5 milhões de pessoas pelas frágeis passagens entre os setores nos quais Berlim se dividiu após a Segunda Guerra Mundial.
O setor oeste de Berlim era um corredor, razão pela qual Ullrich levantou, com permissão de Moscou, uma divisão que procurou legitimar como sendo um “muro de proteção antifascita”.
O cinismo de Ullrich faz parte das falsidades em torno do muro, embora também não há explicação de por que a espionagem das potências ocidentais que ocupavam Berlim -Estados Unidos, Reino Unido e França- não perceberam que nos arredores da capital da RDA um exército de soldados e operários preparava a operação.
A Guerra Fria era um cenário muito delicado para alguém arriscar um confronto direto. Aos berlinenses não restou nada além de assistir o aprimoramento de uma cerca que o sucessor de Ullrich, Erich Honecker, transformou em um muro com alta tecnologia.
Outra mentira -uma fraude eleitoral em uma votação municipal- abriu finalmente a brecha para os protestos em maio de 1989.
Honecker seguia fechado a qualquer reforma, enquanto em Moscou Mikhail Gorbachev iniciava mudanças. Enquanto isso, ocorriam fugas em massa de cidadãos através da Hungria, Polônia e Tchecoslováquia.
“A vida castiga quem chega tarde”, é uma frase que Gorbachev teria dito a Honecker no 40º aniversário da RDA. Ninguém registrou a sentença, mas ela ficou para a história.
Além disso, não se sabe se o “Wir sind das Volk” -“Nós somos o povo “- entoado pelas primeiras centenas de cidadãos de Leipzig que em setembro se levantaram contra a RDA fossem um clamor pela reunificação, e sim um pedido de reformas””.
As centenas de pessoas, no entanto, multiplicaram-se e em 4 de novembro um milhão de manifestantes se concentraram na Alexanderplatz, em Berlim.
Honecker já tinha renunciado ao seu posto, pressionado por Moscou, e seu herdeiro, Egon Krenz, buscava soluções.
“Foi uma concentração orquestrada a partir do aparelho da RDA para salvar o salvável”, afirmou o historiador Ilko Sascha Kowalczuk, em um ato recente no Deutsches Theater, onde lembrou que, além de escritores como Christa Wolf ou Heiner Müller, o chefe da espionagem da RDA, Markus Wolf, discursou entre vaias durante o protesto.
“Havia atores diferentes com objetivos diferentes. A maioria pedíamos reformas, não a dissolução da RDA”, afirmou durante o ato Gregor Gysi, carismático líder do pós-comunismo.
E desta forma se chegou a 9 de novembro. Às 18h53, o membro do Politburo Günter Schabowski anunciou em uma movimentada entrevista coletiva que seriam autorizadas viagens ao exterior.
“A partir de quando?”, perguntou o jornalista italiano Riccardo Ehrmann. “Segundo o entendo, desde agora”, afirmou Schabowski. Uma notícia então dava a volta ao mundo: tinha caído o muro.
Os enigmas envolvem a fala de Schabowski. Krenz nunca deu essa ordem. Gysi sustenta que foi um mal-entendido e que a medida deveria entrar em vigor na manhã seguinte. Outra versão afirma que a pergunta de Ehrmann tinha sido “induzida” pelo próprio aparelho do partido comunista.
A entrevista podia ter acabado em tragédia, já que a polícia não tinha instruções de como atuar enquanto milhares de cidadãos se amontoavam sobre as passagens fronteiriças.
Mas não houve um só disparo durante a noite, que originou novas lendas e imagens de milhares de cidadãos derrubando o muro com seus martelos.
Houve um grupo de jovens ocidentais que iniciou a derrubada do muro naquela noite. Mas a maioria das fotos de martelos contra o concreto não são desta data, mas de semanas posteriores, quando cidadãos e turistas se lançaram em busca de um pedaço do muro.
Obviamente, também não é preciso considerar autênticos os pedaços de muro à venda em qualquer esquina ou comércio legal de Berlim, por mais que levem o rótulo de “original”. Nenhum deles é. EFE
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.