Mossul: uma cidade fantasma nas mãos do Estado Islâmico

  • Por Agencia EFE
  • 06/07/2014 07h16

Yasser Yunis.

Mossul (Iraque), 6 jul (EFE).- Como se fosse uma cidade fantasma, Mossul é um melancólico quadro de bairros vazios e em silêncio, que de vez em quando se vê interrompido pelos bombardeios da aviação iraquiana que tenta recuperar o território.

Sob o domínio do Estado Islâmico (EI), a vida em Mossul se transformou em um inferno indescritível no meio de um conflito que não tem reflexos de encontrar um final imediato.

No dia 10 de junho, as forças de segurança se retiraram de Mossul deixando esse território nas mãos dos combatentes desse grupo radical, que no domingo passado declarou a criação de um “califado islâmico” desde a província síria de Aleppo (norte) ao iraquiano de Diyala (leste).

O governo iraquiano impôs um bloqueio econômico sobre a cidade, com um corte total da energia elétrica há mais de uma semana e a paralisação do comércio por falta de combustível.

A cidade recebe ataques aéreos frequentes de aviões de guerra iraquianas, que lançam barris de explosivos contra a insurgência, o que causou grandes destruição e alterou o cotidiano da sociedade civil.

Em entrevista à Agência Efe na cidade de Al Qosh, Ethil al Nuyaifi, governador da província de Ninawa (norte), cuja capital é Mossul, destaca os cortes de energia e a escassez de produtos básicos, remédios e provisões nos hospitais locais.

O bombeamento de água ainda chega a Mossul, mas nos próximos dias poderia haver problemas de provisão devido à falta de combustível, que paralisou a cidade.

“A situação em Mossul caminha para o pior, em um contexto de incapacidade governamental de Bagdá para achar soluções reais. Nós achamos que o problema não pode ser solucionado pela via militar, sobretudo por causa da má reputação do Exército”, explicou Nuyaifi.

Isto porque a debandada das tropas iraquianas diante da ofensiva sunita decepcionou os moradores de Mossul.

“Há muito mais ingenuidade do que podemos imaginar entre os combatentes do EI”, adverte o governador, que considera “incrível” que o chefe do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, obrigue todos os muçulmanos a obedecê-lo a se autoproclamar califa.

Nuyaifi ironiza essa tentativa do EI de se legitimar anunciando um califado ao mesmo tempo que detém aqueles que não o aceitam.

Essas detenções, sustenta, são “um novo fracasso junto a sua nula capacidade de oferecer serviços básicos aos cidadãos”.

Apesar de na cidade também haver uma grande falta de serviços básicos, muitos cidadãos de Mossul que se deslocaram no início do conflito se viram obrigados a retornar para suas casas por causa das duras condições de vida.

Entre os civis existe, além disso, um sentimento de rejeição em relação ao Exército, depois que “ele os traiu deixando-os presos nas mãos dos impiedosos”, assegurou à Efe o escritor de Mossul Hussein Alcaki.

Para Alcaki, o governo prometeu ao povo uma solução rápida e que o Exército ia recuperar a cidade “em questão de dias”, mas já estão há mais de três semanas sem controlar “nem um só metro de território”.

A pobreza em Mossul, lembra, atinge 70% da população, um indicador sério que explica por que muitos jovens da cidade decidiram se unir aos combatentes do EI, conseguindo um salário mensal em troca de sua participação nos combates.

Neste sentido, Ahmed Hashim, de 55 anos, advertiu que a festividade do Ramadã este ano é celebrada em uma situação “trágica e de bloqueio”.

Passear pelas ruas de Mossul já não é o que era. Antes, a multidão se cruzava e se cumprimentava, os cafés estavam cheios e as portas dos lares abertas aos parentes que entravam e saíam.

Agora, por outro lado, para escutar um pouco de vida é preciso se aproximar das janelas de alguma casa e ouvir os gritos das crianças que já não podem sair para brincar na rua.

Os cafés tiveram que fechar suas portas por ordem do EI, que impôs uma interpretação radical da lei islâmica e proibiu o álcool e o tabaco, assim como obrigou as mulheres a usar vestimentas que escondem todo seu corpo e rosto.

Os jogos populares, como as cartas e o xadrez, costumavam ser o entretenimento de muitos durante as longas noites do Ramadã, mas também foram proibidos pelo EI.

Os funcionários não receberam ainda seus salários nem os aposentados sua pensão, que é a única fonte de renda para um grande segmento da população dessa cidade.

A indignação e o desespero se reflete no rosto dos moradores de Mossul, muitos dos quais não suportam a trágica situação e a deterioração que sua cidade está sofrendo.

A única coisa que permanece intacto é sua floresta com vistas para o rio Tigre, que estes dias é um paraíso desabitado sob as altas temperaturas do verão. EFE

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