Mudança na tradição funerária gera dramas e protestos na China

  • Por Agencia EFE
  • 31/05/2014 06h14
  • BlueSky

Antonio Broto.

Pequim, 31 mai (EFE).- A luta para implantar a cremação na China, país em que os mortos foram enterrados durante séculos sem a preocupação com a questão do espaço, adquiriu traços dramáticos em uma região onde seis pessoas se suicidaram para evitar uma possível incineração.

As mortes foram registradas em algumas aldeias do município de Anqing, na província oriental chinesa de Anhui, onde as autoridades anunciaram a proibição dos enterros a partir de 1º de junho para tornar a incineração obrigatória, uma ordem que foi emitida em diversas regiões do país.

No entanto, no caso do município de Anqing, a nova legislação gerou uma forte revolta entre os habitantes, especialmente entre os mais velhos, que, em algumas ocasiões, passavam mais de uma década construindo os próprios caixões dentro de uma antiga tradição local.

Os protestos foram respondidos pela polícia local com uma grande operação de busca e apreensão, na qual inúmeras casas foram revistadas e inúmeros caixões apreendidos. Por causa dessas drásticas medidas, vários idosos resolveram se suicidar para que seus funerais fossem realizados antes do dia 1º de junho.

Segundo o jornal “Beijing News”, uma mulher de 81 anos, identificada como Jiang Xiuhua, se enforcou no quintal de sua casa no dia 18 de abril, o mesmo dia em que as autoridades deram início à operação mencionada.

Posteriormente, no dia 6 de maio, um idoso de 91 anos, identificado Wu Zhengde, se suicidou de maneira similar. Menos de uma semana depois, um homem de 97 anos, identificado como Wu Ziuli, morreu após realizar uma greve de fome.

Outros três casos similares também foram registrados na região e aumentaram a polêmica em torno desta nova lei, embora as autoridades locais tenham tentado omitir esse fato assegurando que não havia nenhuma relação entre as mortes e a política de incineração, que continua vigente mesmo com as propostas apresentadas por alguns moradores, que queriam que a nova ordem fosse aplicada somente às futuras gerações.

“Deveríamos flexibilizar esta política ou dar tempo aos idosos para assimilar essa relação”, declarou ao jornal “South China Morning Post” um dos filhos de uma das vítimas citadas.

Os habitantes da região indicam que essa forte oposição se limita aos mais idosos, ferrenhos defensores das tradições em que o morto deve “descansar” em um caixão – muitas vezes os caixões ficam ao ar livre até três anos antes de serem enterrados.

O jornal “China Daily” assinala que as tensões atuais, assim como a insistência das autoridades locais em não retirar essa ordem, estão relacionadas a um incidente ocorrido há alguns meses no município de Anqing, onde 20 policiais foram punidos por negligência após um incêndio provocado em um funeral tradicional.

Em todo caso, o conflito na região apenas ilustra as dificuldades do regime comunista de abolir os enterros em nível nacional e, por consequência, adotar a pratica de incineração obrigatória, principalmente por causa da falta de espaço nos cemitérios do país.

Apesar de se mostrar especialmente dramático, esse não é o primeiro caso a ilustrar as tensões entre população e governo na hora de modificar as práticas ancestrais, especialmente em um tema tão delicado para os chineses como a morte.

Em 2012, um projeto das autoridades em uma cidade da província central de Henan pretendia transferir dois milhões de túmulos de um cemitério para transformá-lo em campos de cultivo, uma medida que foi respondida com uma forte oposição popular. Na ocasião, algumas famílias chegaram a reenterrar os caixões nos lugares originais de maneira clandestina.

A incineração se tornou obrigatória nas cidades chinesas em uma tentativa de atenuar o problema da falta de espaço, já que as urnas crematórias, mesmo quando enterradas, ocupam menos espaço.

O problema da falta espaço nos cemitérios chineses, especialmente nas cidades mais povoadas do país, é tão preocupante que existe uma autêntica “bolha imobiliária” em torno do pagamento das parcelas para os túmulos, que chegam a apresentar preços exorbitantes.

Em média, apenas 50% dos mortos na China são incinerados, enquanto o restante, especialmente em zonas rurais, costuma ser enterrado, seja em cemitérios ou no meio de plantações, florestas ou em outros locais. Neste caso, o objetivo é fazer com que os mortos desfrutem de uma melhor condição após a morte. EFE

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.