Aos 20 anos de poder, Putin governa sob ‘democracia administrada’, diz especialista

  • Por Tiago Muniz
  • 12/08/2019 11h01
EFE EFE/Alexander Zemlianichenko Putin já governa Rússia há duas décadas

Em 9 de agosto de 1999, Vladimir Putin assumiu o cargo de primeiro-ministro da Rússia ao ser indicado pelo presidente Boris Yeltsin. Desde então, o ex-agente da KGB, o serviço de inteligência soviético, não se afastou mais do poder. Seja como premiê ou presidente, o político de 66 anos está há duas décadas à frente dos rumos do maior país do mundo.

Para entender um pouco mais sobre esse líder amado e temido, a Jovem Pan conversou com a professora sênior da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEAUSP), Lenina Pomeranz. Autora de Do Socialismo Soviético ao Capitalismo Russo, ela responde a algumas perguntas sobre a presença e influência de Putin no país dele e ao redor do mundo.

Jovem Pan: Em que situação Vladimir Putin ascendeu ao poder? Como um Yeltsin bastante enfraquecido abriu caminho para o novo primeiro-ministro?
Lenina Pomeranz: De fato, Yeltsin estava bastante enfraquecido em sua saúde e quem comandava a Rússia era realmente o grupo que se formou em torno de sua filha e do seu genro, afogados em corrupção, grupo conhecido como a “família”, no sentido mafioso do termo. O país também enfrentava a guerra de independência dos Chechenos. Yeltsin buscava um sucessor que não representasse um perigo para o grupo , ao mesmo tempo que enérgico para enfrentamento da guerra na Chechênia. Putin, conhecido por sua lealdade – demonstrada entre várias ocasiões, a Sobchak, governador de São Petersburgo, com quem Putin trabalhou no governo, após a sua volta da Alemanha – e por sua assertividade, atendia aos requisitos buscados. Tanto que o primeiro decreto de Putin, ao assumir a presidência, foi a concessão de anistia irrestrita a Yeltsin e à “Família”.

JP: Qual é a importância na gestão Putin da reafirmação dos símbolos nacionais e da noção de ordem?
LP: A reafirmação dos símbolos nacionais veio com a necessidade de demonstrar a nova natureza do sistema político russo. Os três símbolos foram: o brasão do pais, representado pela águia de duas cabeças, símbolo do Império: a bandeira tricolor, símbolo do período czarista; e o hino nacional russo, com manutenção da música do hino soviético, sem letra, símbolo do período soviético. A bandeira vermelha desse período passou a ser a bandeira das forças armadas. A instituição destes símbolos e as mudanças institucionais implantadas por Putin refletiram-se no plano ideológico. A perspectiva de estabilidade política com ordenação legal das atividades dos diversos institutos governamentais e a regulação do processo eletivo, por um lado; e o restabelecimento do poder estatal, com a restrição do poder oligárquico, por outro lado, restabeleceram entre a população o sentimento de Nação, de pertencimento nacional.

JP: É possível se falar num nacionalismo russo a partir da ascensão de Putin?
LP: Eu diria que o nacionalismo russo não surgiu com Putin. É um sentimento histórico do povo russo.

JP: Como a senhor avalia a alternância entre Putin e Dmitri Medvedev nos cargos de presidente e primeiro-ministro da Rússia?
LP: Representa, em primeiro lugar, respeito e confiança mútuos existente entre ambos. O que não significa que não houvesse e que não há divergências de posicionamento entre ambos. Na primeira alternância, Medvedev criou com Obama, um novo tipo de relacionamento entre os dois países, conhecido por RESET, restabelecimento. Medvedev visitou os Estados Unidos, especialmente o Vale do Silício, com vistas ao projeto russo de estabelecimento de uma instituição dedicada ao desenvolvimento da tecnologia digital e votou por abstenção na ONU na questão da guerra da Sérvia, na antiga Iugoslávia, contrariando a política de aliança tradicional da Rússia com os sérbios, com graves consequências de ordem geopolítica para a Rússia. Nem, por isso, Putin deixou de ter confiança em Medvedev, que é, atualmente, o seu primeiro ministro. Putin, porém, já afirmou que deixará o poder em 2024, quando termina o seu segundo mandato. Dadas as sanções impostas à Rússia depois da anexação da Crimeia em 2014, e do agravamento das relações entre a Rússia e os Estados Unidos, por um lado; e o aumento de movimentos políticos de oposição ao seu governo, especialmente frente às eleições para a Câmara de representantes da cidade de Moscou (cidade considerada unidade federal, devido à sua importância econômica e política), há boatos de que não estaria fora de cogitação a continuidade de Putin, apesar de suas declarações em contrário.

JP: Putin é um ditador?
LP: No caso russo, a resposta não é simples, na medida em que se as instituições funcionam, mesmo com restrições. Há eleições, da qual participam partidos da oposição; existe mídia independente, de importância nacional. A expressão cunhada na Rússia é a de que se trata de uma “democracia administrada”. E Putin é o seu líder.

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