Após protestos, histórico terceiro mandato de Xi Jinping será marcado por incerteza e instabilidade da China
Líder chinês deve ficar mais cinco anos à frente do Congresso e se tornar o líder mais poderoso desde Mao Tsé-Tung; popularidade ainda é alta, mas foi arranhada por política de Covid Zero
Desde o último domingo, 16, a China realiza o 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), que deve reeleger, nesta segunda-feira, 23, sem maiores dificuldades, Xi Jinping para um histórico terceiro mandato, tornando-o o líder mais poderoso do país desde Mao Tsé-Tung, governante conhecido como o grade responsável pela Revolução Chinesa e fundador da República Popular da China. Ele ficou no poder de 1949 a 1959, mas se manteve influente até 1976, ano em que faleceu. À frente do Congresso e da China desde 2012, Xi Jinping tem uma boa aprovação, mas foi alvo de protestos recentes que arranharam sua popularidade. Manifestantes criticaram o governo por causa da política de Covid Zero. “Não aos exames de Covid, quero ganhar a vida. Não à Revolução Cultural, quero reformas. Não aos confinamentos, quero liberdade. Não aos líderes, quero votar. Não às mentiras, quero dignidade. Não serei um escravo, serei um cidadão”, dizia um dos cartazes. Um outro estimulava os cidadãos a protestar e “derrubar o ditador traidor Xi Jinping”. Desde o começo da pandemia, a China adotou uma política que a isolou do restante do mundo e prejudicou a economia e os negócios — tanto é que o país já voltou a abrir suas fronteiras. As manifestações são raras na capital chinesa e os que desafiam o rígido aparelho de segurança do governo enfrentam graves punições. Diante desse cenário, os especialistas apontam que os próximos cinco anos tendem de ser de incertezas e instabilidades.
“Existe uma grande incerteza nesse momento em relação ao governo porque o contexto interno do país demonstra instabilidade e incerteza. O mesmo se vê no internacional”, diz o doutor em ciência política Alexandre Uehara. Ele acrescenta que, quando pensamos no crescimento que a China teve nos últimos anos, o cenário internacional era favorável, pois “haviam demandas pelos produtos chineses e não tinha pandemia”. Contudo, esse cenário trouxe uma reflexão em relação à dependência que o mundo tem das importações do país asiático. Para Uehara, não está claro como a economia chinesa se comportará nos próximos cinco anos. “Diferentemente dos dois mandatos anteriores, em que a China crescia bastante e a ideia era sobre administrar riqueza, agora é sobre administrar a escassez”, complementa. Elias Jabbour, especialista em China e professor de relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), vê esse terceiro mandato de Xi Jinping mais como uma resposta política para “problemas que a história coloca diante da China” do que uma questão moral. “Vejo mais dentro desse contexto de desafios internos e externos e que Xi Jinping se mostrou capaz de levar o país adiante em um momento tão importante.” Isso fez com que o líder se tornasse poderoso e uma figura importante. Entre 2012 e 2022, a China, sozinha, contribuiu com 38% do crescimento mundial. “E Xi Jinping conseguiu erradicar, a partir de políticas que ele implementa, a pobreza extrema no país”, destaca Jabbour. “Mesmo que não seja bem aceita por todos, a política de Covid Zero trouxe resultados espetaculares”, acrescenta. Essas ações contribuíram para legitimar o poder político do líder chinês. É por isso que, para o professor da Uerj, o saldo dos dez anos de Xi Jinping “é superpositivo”.
Xi Jinping fez um balanço dos últimos cinco anos e informou ao Congresso quais são os seus planos para os próximos anos como secretário-geral. Ele defendeu sua política na luta contra o coronavírus, mesmo ela tendo prejudicado a atividade econômica. Apesar dos crescimentos objetivos nos últimos anos, a China deve anunciar seu crescimento econômico trimestral mais baixo desde 2020, afetado pelas restrições anticovid e pela crise de seu setor imobiliário. Um grupo de 12 especialistas ouvidos pela agência AFP estima um crescimento médio de 2,5% interanual do Produto Interno Bruto (PIB) da segunda maior economia do mundo entre julho e setembro. “O país crescia a dois dígitos. A perspectiva para este ano é que cresça pouco mais de 3%, isso é um ponto preocupante”, aponta Uehara. “No caso da economia chinesa, a gente tem uma população muito grande, que precisa ser absorvida pela economia. Nesse momento, os dados apontam que a população jovem não está sendo absorvida.” Este cenário levou às manifestações contra Xi Jinping dois dias antes de o 20º Congresso começar. E acendeu um alerta sobre a possibilidade de o país voltar a ser o que era antes de 1970. Apesar dessas preocupações, Jabbour é mais otimista. Ele diz que a China chegou em uma planificação econômica que a permite escolher “se vai ficar um ano ou dois sem crescer e como vai crescer”. Mas os especialistas concordam que os próximos dez anos vão ser pautados pela busca da autossuficiência tecnológica e pelo conflito iminente com os Estados Unidos em várias frentes. A tensão entre os dois países aumentou nos últimos meses por causa de Taiwan. A China não aceita a independência desta região, considerada sua, e tenta isolá-la do restante do mundo. Já os Estados Unidos tentam minar o controle chinês em um território com importância tecnológica destacada.
Quem é Xi Jinping?
Conhecido a princípio como marido de uma cantora popular, Xi Jinping emergiu como um líder de aparente carisma e uma narrativa política hábil que criou um culto pessoal não visto desde os dias de Mao. Ele chegou ao poder em 2012 e era visto por alguns como o líder mais liberal do Partido Comunista Chinês por causa de seu perfil discreto e histórico familiar. Dez anos depois, a realidade é bem diferente. Embora sua família fizesse parte da elite do partido, Xi não parecia destinado a essa posição. Seu pai Xi Zhongxun, um herói revolucionário que se tornou vice-primeiro-ministro, foi expurgado durante a Revolução Cultural de Mao. De um dia para o outro, o agora presidente perdeu seu status. Uma de suas meias-irmãs cometeu suicídio por causa das perseguições. Xi foi condenado ao ostracismo por seus colegas de classe, uma experiência que, segundo o cientista político David Shambaugh, contribuiu para “um distanciamento emocional e psicológico e sua autonomia desde muito jovem”.
Aos 15 anos, ele foi enviado para o centro da China, onde passou anos carregando grãos e dormindo em cavernas. “A intensidade do trabalho me impactou”, reconheceu. Também participou de sessões em que teve que denunciar seu próprio pai, como explicou em 1992 ao “Washington Post”. “Mesmo que você não entenda, eles te obrigam a entender. Isso faz você amadurecer mais cedo”, comentou. O caminho para ingressar no PCC não foi tranquilo para Xi. Antes de conseguir, seu pedido foi rejeitado várias vezes devido ao legado familiar. Ele começou em um nível muito baixo, como chefe do partido em um vilarejo em 1974. Trabalhou muito sistematicamente e tornou-se governador regional de Fujian em 1999, líder provincial do partido em Zhejiang em 2002, depois em Xangai, em 2007. Enquanto isso, seu pai foi reabilitado na década de 1970 após a morte de Mao, o que fortaleceu sua posição.
Em nível pessoal, Xi se divorciou de sua primeira esposa para se casar em 1987 com a popular soprano Peng Liyuan, então mais conhecida que ele. Para Cai Xia, ex-líder do PCC e agora exilada nos Estados Unidos, o lídr chinês sofre de um complexo de inferioridade, sabendo que teve pouca educação formal em comparação a outros líderes do partido. “É por isso que ele é teimoso e ditatorial”, escreveu em um artigo recente na “Foreign Affairs”, uma revista americana sobre política internacional. Em 2007, Xi foi nomeado para o comitê permanente do Birô Político, o órgão decisório máximo da China. E, cinco anos depois, ele subiu ao topo, substituindo Hu Jintao. Hoje, está prestes a se tornar histórico por conseguir três mandatos em sequência desde Mao.
*Com informações da AFP
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