Declaração de guerra, fim do conflito ou só mais um dia? Como o 9 de maio pode ditar o rumo da Ucrânia

Especialista em Rússia ouvida pela Jovem Pan acredita que data será celebrada pelo governo Putin, mas não implicará em uma mudança drástica da realidade do conflito no Leste Europeu

  • Por Sarah Américo
  • 08/05/2022 11h00 - Atualizado em 08/05/2022 16h27
EFE/EPA/ANATOLY MALTSEV 9 de maio Militares russos marcham durante um ensaio para o desfile do Dia da Vitória em São Petersburgo, Rússia

Na última semana, especulações sobre o que pode acontecer no dia 9 de maio no conflito entre a Rússia e Ucrânia ficaram mais aparentes. De um lado, o Ocidente e os ucranianos dizem que será o dia em que a Rússia vai declarar guerra ao Leste Europeu – até agora, os russos classificam o que está acontecendo como uma “operação militar”. O secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, declarou que Vladimir Putin “está preparando o terreno para poder dizer ‘olha, agora é uma guerra contra os nazistas, e o que eu preciso é de mais pessoas'”. Por outro lado, o Kremlin nega que isso vá realmente acontecer, e na quarta-feira, 4, durante entrevista coletiva diária, o porta-voz russo, Dmitry Peskov, classificou as especulações como “um absurdo”.

Rumores sobre um possível desfile militar na devastada cidade de Mariupol, no sul da Ucrânia, também apareceram. Segundo a Direção Geral de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia, Moscou teria escolhido a cidade portuária para esta celebração no lugar de Donetsk – região localizada no leste do país e reconhecida como independente por Putin em 21 de fevereiro. A inteligência ucraniana afirma que “Sergey Kirienko, vice-chefe da administração presidencial russa e responsável pelos assuntos internos da Federação Russa, chegou à cidade devastada de Mariupol”. A principal tarefa desse funcionário de Vladimir Putin é preparar as “celebrações cerimoniais” para 9 de maio, depois de abandonar a ideia de fazê-las na cidade ocupada de Donetsk.

Entretanto, Peskov voltou a dizer que isso é “impossível, por razões óbvias”. Mas, em meados de abril, Viktoria Kalachova, nomeada pelos russos como vice-prefeita de Mariupol, após a tomada da área urbana da cidade, garantiu que o desfile “vai acontecer, sem dúvida nenhuma, a população de Mariupol espera esse evento”. Mas, para que isso ocorra, é necessário que as tropas russas tenham total controle da região, que ainda conta com um último batalhão ucraniano defendendo a siderúrgica Azovstal, onde centenas de civis estão abrigados e aguardando pelas evacuações que voltaram a acontecer no sábado, 30.

A razão que faz com que dia 9 de maio seja uma data importante para os russos e possa marcar um passo importante no conflito com a Ucrânia, que acontece desde o dia 24 de fevereiro, é porque este dia é feriado na Rússia, que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial – que eles consideram como Grande Guerra Patriótica –, celebra a vitória do exército soviético sobre as forças nazistas com uma parada militar, grandes desfiles e depois uma celebração denominada Regimento dos Imortais que relembra as vidas dos combatentes que morreram durante o conflito. Larlecianne Piccolli, diretora do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), diz que é complicado prever o que vai acontecer e quais especulações são realmente verdadeiras. A especialista, entretanto, alerta: “Pelo o que tenho acompanhado, eles estão fazendo ensaio para parada, entretanto, não me parece que haverá uma utilização da data para mudar o curso da guerra em 180 graus”, explica. “Eles podem se utilizar dela para reunir comprometimento e apoio da sociedade”, ponde. Vale lembrar que uma pesquisa coordenada pelo político da oposição Alexei Miniailo, e que contou com a participação de sociólogos e analistas de dados, mostra que 59% dos russos são a favor do conflito. Deste total, 73% acreditam “altamente” ou “totalmente” nas fontes oficiais. Apenas 22% da população rejeita a guerra; outros 85% não acreditam nas mídias estatais.

O que acontece se Putin declarar guerra?

Pode acontecer a implantação de uma lei marcial, igual a que acontece na Ucrânia, que possibilita que todos os reservistas que estão dentro e fora do país sejam chamados para lutar na guerra. Larlecianne não acredita que isso seja possível, porque “há questionamento se eles realmente vão chamar essas pessoas, visto que elas não recebem treinamento contínuo e não vão influenciar na melhora do conflito”. Para Piccolli, se houver essa convocação, “as tropas russas estarão assumindo que suas forças estão desgastadas”. A diretora do instituto explica, ainda, que uma declaração de guerra também possibilita uma mobilização, que é dada por uma ordem executiva e mobiliza militares de forma parcial ou geral do país, mas também mexe na economia em um momento de guerra. “Só que essa lei só funciona em casos de agressão contra a federação russa”, resume. Contudo, é preciso de uma validação das autoridades para implantação. Nesse caso, os russos poderiam “citar os ataques da Ucrânia a Rússia” para tentar validar este mandato.

Diante desse cenário, a diretora do ISAPE não acredita que possa ocorrer uma grande virada na guerra, o que, em sua avaliação, só ocorreria se armas nucleares passassem a ser utilizadas. Ela lembra que no incio do conflito chegou a relatar que a guerra seria dividida em três partes. Primeiro, de destruição da infraestrutura militar; em um segundo momento, ataques mais próximos à civilização; por fim, uma extensão do conflito. “Os russos tentaram evitar um prolongamento do conflito, mas eles já apostavam nessa possibilidade”, disse à reportagem da Jovem Pan. Ela também relata que os russos não esperavam um apoio militar do Ocidente e uma resistência das forças ucranianas. Por mais que as ameças de Putin a países que ajudem a Ucrânia tenham se tornado mais frequentes e o Ocidente tenha se mobilizado contra os russos, Larlecianne não acredita em uma disputa direta do líder russo com o restante da Europa porque, por mais que haja sanções contra a Rússia, ela ainda recebe e exporta uma quantidade considerável de recursos naturais para lá. “Começar um conflito que envolva outros países, é prejudicar a economia russa ainda mais e não aprece que os russos estejam totalmente preparados para essa ruptura”, explica.

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