Disputa entre Maduro e Juan Guaidó pelo governo pode agravar crise econômica na Venezuela
Ainda não há resultado para a mais recente disputa política da Venezuela – entre “os dois presidentes”, Nicolás Maduro e Juan Guaidó -, mas independentemente da definição, a população deve sofrer a médio prazo com piora sensível das condições econômicas do país, que já tem inflação superior a 1,6 milhão por cento e falta de alimentos e remédios.
Secretária aposentada, Elizabeth Piñeda é um exemplo. Ela recebe 18 mil bolívares por mês (cerca de R$ 43) e tem dificuldade para comprar os alimentos mais básicos na capital Caracas. Para conseguir dinheiro, ela atua como astróloga. E as estrelas já lhe confidenciaram que os venezuelanos estão perto de se livrar do ditador Nicolás Maduro.
Entretanto, ela não espera nenhuma saída rápida nem tranquila. “O governo vai nos enforcar ainda mais com suas decisões ruins e sua falta de vergonha na cara.” Economistas compartilham desse ceticismo. Para eles, quanto mais longo o confronto com Guaidó, que se declarou presidente do país, mais provável que o sofrimento dos venezuelanos aumente.
Maduro, que por enquanto parece ter o respaldo da cúpula das Forças Armadas, acusa os Estados Unidos de planejar um golpe de Estado contra ele ao apoiar a decisão do líder opositor e presidente do parlamento, Juan Guaidó, e incentivar outros países a fazerem o mesmo. O Brasil e mais duas dezenas de nações já reconheceram o presidente interino.
Acesso a recursos
A estratégia arriscada e incomum de reconhecer um governo alternativo sem poder de facto tem por trás um objetivo econômico: bloquear o acesso do regime chavista aos recursos provenientes da exportação de petróleo e ativos venezuelanos no exterior, algo que traz consigo inúmeras implicações jurídicas e financeiras.
O principal alvo dessa estratégia é a Citgo, a filial americana da PDVSA, com sede em Houston (EUA), responsável por grande parte das receitas da empresa. Outro alvo é a quantia de US$ 1,2 bilhão (R$ 4,5 bilhões) em reservas de ouro depositadas no Banco da Inglaterra, que correspondem a 15% das reservas em moeda forte do país.
Se a União Europeia reconhecer o governo da oposição, Maduro poderia ter ainda mais dificuldades para vender o petróleo, ampliando os efeitos da crise. A decisão da UE deve ser tomada até o fim da semana. “Se Maduro continua no poder, a Venezuela pode sofrer uma catástrofe humanitária”, avaliar o economista-chefe da Torino Capital, Francisco Rodríguez.
Para ele, o cenário é similar ao ocorrido na Líbia, em 2011, quando Barack Obama congelou ativos do governo líbio durante a Primavera Árabe. Em consequência, a produção de petróleo no país caiu 70%. A diferença na comparação com a Venezuela é que Caracas ainda tem aliados e clientes importantes que reconhecem Nicolás Maduro.
Entre os apoiadores do ditador estão Rússia, China, Índia, Turquia e Malásia. Esses países, em tese, podem absorver 500 mil barris que são vendidos diariamente aos Estados Unidos. O problema para os chavistas, nota Rodríguez, é que sem acesso a bancos europeus e americanos, a logística dessas exportações ficaria muito complicada.
De acordo o economista Russ Dallen, da Caracas Capital, os custos da operação das transações de petróleo também aumentariam, porque os portos da Venezuela não estão aptos a carregar navios para países tão distantes. Com isso, a escassez de alimentos e remédios, que são importados no território venezuelano, tende a se agravar.
Ameaça russa
Se Guaidó conseguir tomar o controle da Citgo, haveria um efeito colateral. Em virtude de acordo fechado com a Rússia em 2017, a estatal Rosneft pode tomar 49,9% do controle da empresa se o governo venezuelano der calote nos pagamentos de empréstimos aos russos.
Ou seja, se a oposição não honrar esses compromissos, Moscou tomaria conta de um ativo estratégico petrolífero nos próprios Estados Unidos. “É uma situação incrivelmente complexa”, explica Alen. “A perda da Citgo e do mercado americano afetará diretamente o fluxo de caixa do governo, o que levará a mais fome e mais gente fugindo do país.”
A produção venezuelana de petróleo está em crise há sete anos, com o sucateamento da PDVSA e a fuga de cérebros após Hugo Chávez demitir diretores críticos a seu governo. Nos últimos anos, a queda se acentuou e hoje a produção é só um terço do que era há 20 anos.
Francisco Rodríguez calcula que se o impasse entre Guaidó e Maduro continuar, a economia deve se contrair 30% este ano e a inflação deve chegar a 23 milhões por cento. No caso de transição, o economista Orlando Ochoa estima que a comunidade internacional teria de desempenhar um papel-chave para reorganizar a economia do país e sua dívida externa.
*Com informações do Estadão Conteúdo
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