Lula diz que nunca igualou a Ucrânia à Rússia, mas insiste na tese de que nenhum dos dois países quer o fim da guerra
Ao lado do presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, petista lembrou que o Brasil condenou a invasão russa na ONU e afirmou que ‘é melhor encontrar a saída em uma mesa do que no campo de batalha’
Criticado por declarações recentes sobre a Guerra da Ucrânia — que lhe renderam um protesto da comunidade ucraniana em Lisboa, capital de Portugal, onde está desde sexta-feira, 21 —, o presidente Luiz Inácio Lula da Sila (PT) voltou a abordar o assunto neste sábado, 22, e adotou tom mais ameno, mas não arreda o pé da tese de que nenhum dos dois países quer parar o conflito iniciado em 24 de fevereiro do ano passado. “Deixa eu falar uma coisa sobre a guerra: faz tempo que o meu país tomou uma decisão. Eu nunca igualei os dois países porque eu sei o que é invasão e o que é integridade territorial. Nós condenamos a Rússia pela ocupação do espaço e por ferir a integridade territorial da Ucrânia. Isso logo nos primeiros dias. E demos voto na ONU nesse sentido, fazendo crítica à ocupação. Entretanto, nós não somos favoráveis à guerra. Nós queremos a paz. O Brasil está tentando, já há alguns dias. Foi isso que conversei com o [primeiro-ministro alemão] Olaf Scholz, com o [presidente francês Emmanuel] Macron, com [o presidente americano Joe] Biden, com o [presidente chinês] Xi Jinping. O Brasil quer encontrar um jeito de estabelecer a paz entre Rússia e Ucrânia, quer um grupo de pessoas que se disponha a gastar um pouco do seu tempo conversando com todos que pregam pela paz. Eu não tenho experiência de guerra porque, no Brasil, a última foi a do Paraguai, eu não era nascido. Mas eu tenho a experiência demovimentos sociais, conheço quando se radicaliza. Às vezes, você começa uma luta pensando que vai acontecer uma coisa, não acontece e, depois, você não sabe como parar. No caso da guerra, a Rússia não quer parar, e a Ucrânia não quer parar”, disse o petista, em entrevista coletiva ao lado do presidente português Marcelo Rebelo de Sousa.
Lula, que durante seus primeiros oito anos de mandato (entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010) sempre reivindicou uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, não esconde a aspiração de se tornar um agente importante na mediação da paz no Leste Europeu. Sempre enfatizando a palavra “paz” e nunca citando nomes envolvidos no conflito, o chefe do Executivo brasileiro insistiu em palavras e expressões como “buscar a paz”, “sentar à mesa” e “encontrar solução”, mas, por enquanto, não ofereceu nenhuma saída viável. “Nós vamos ter que encontrar um grupo de países que possam formular, numa relação de confiança, a ideia de que a guerra para. Senta na mesa e conversa que vai encontrar um resultado muito melhor. É melhor encontrar uma saída em uma mesa do que no campo de batalha. Tenho certeza que será infinitamente melhor para o mundo se a gente conseguir encontrar uma forma de fazer paz. E eu acredito nisso. Eu nasci na minha vida política negociando situações muito difíceis para o meu mundo sindical. E sempre acreditei que era possível encontrar uma solução. E eu acho que a gente pode encontrar solução para essa Guerra da Ucrânia. É preciso que os dois países confiem em interlocução, que pode ser de fora, mas que pode ajudar a resolver o problema e construir o fim dessa guerra. É melhor encontrar a saída em torno de uma mesa, do que no campo de batalha.”
Sobre a postura da União Europeia em enviar armas e recursos para a Ucrânia, Lula manteve sua posição: “Se você não fala em paz, contribui para a guerra. Olaf Scholz foi ao Brasil e pediu que o Brasil vendesse mísseis para que ele doasse à Ucrânia. O Brasil se recusou. Se a gente vendesse e os mísseis e morresse um russo, a culpa seria do Brasil”. Porém, ouviu de Rebelo que Portugal está ao lado da União Europeia. “A posição portuguesa é conhecido por todos: é não apenas a condenação da invasão russa e a solidariedade à Ucrânia e seu povo no que foi uma violação dos princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas. Faz sentido aplicar as resoluções das Nações Unidas, aprovada por maioria esmagadora na Assembleia-Geral. E essas resoluções arrancaram uma condenação e culminaram no pedido da retirada imediata das forças russas como uma condição fundamental para ser possível encontrar, não apenas a reparação de quem foi agredido, mas também um ponto de partida para a procura de uma afirmação duradoura e justa de princípios de direito internacional. Nesse sentido, Portugal, solidário com Otan e União Europeia, pensa que não é uma situação justa não permitir à Ucrânia se defender e tentar recuperar território invadido”, declarou o presidente português. “Eu compreendo o papel da Europa”, respondeu Lula, lembrando em seguida de uma conversa com o ex-presidente americano George W. Bush em 2002. “Ele convidou o Brasil para participar da Guerra do Iraque. Disse para ele que minha guerra era contra a fome. E conseguimos vencer. Agora tem 33 milhões de pessoas com fome no Brasil. Minha guerra, outra vez, é combater a fome. E, paralelamente, tentar construir um jeito de que o mundo viva em paz.”
Lula também anunciou que, por enquanto, não tem planos de ir à Ucrânia ou à Rússia, apesar do convite do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e de demais membros do governo ucraniano para o brasileiro para compreender a “agressão assassina” da Rússia. Mas destacou a ida do ex-chanceler Celso Amorim, hoje assessor especial do petista para assuntos internacionais, a Kiev em nome do Brasil. O chefe do Executivo só não quis adiantar o que será conversado na reunião, ainda sem data marcada — acontecerá “em breve”, segundo o Palácio do Planalto. “Se eu disser o que o Celso vai conversar, ele nem precisa ir. O Zelensky vai ler nos jornais.”
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