Putin enfraquecido? Poder do presidente russo é questionado após rebelião de mercenários
Chefe de Estado conhecido como ser forte e inficioso teve sua imagem abalada após um motim que, por mais que esteja solucionado no momento, deve trazer problemas futuros para Rússia
A rebelião do Grupo Wagner contra Moscou colocou em cheque o poder de Vladimir Putin e mostra sinais de fraqueza do líder russo perante seu povo. “Acredito que Putin está enfraquecido porque mostra que as estruturas autocráticas e as estruturas de poder estão rachadas e ele não está posicionado tão firmemente como diz em todas as partes”, disse o chanceler alemão, Olaf Scholz, nesta semana. Para ele, por mais que a Rússia esteja voltando à normalidade e que um acordo tenha sido firmado entre Putin e o líder paramilitar Yevgeny Prigozhin, o motim ainda trará consequências para a Rússia a longo prazo. A crise é o maior desafio que Putin, que chamou o ato de “traição”, enfrenta desde que chegou ao poder, em 1999. Pela forma como ele classificou a rebelião e depois não puniu Prigozhin e seus homens, aumentam os rumores de que o presidente não esteja mais tão poderoso assim. O grupo Wagner era considerado o braço armado de Moscou no exterior e, durante 24 horas, entre sexta-feira, 23, e sábado, 24, tomou várias instalações militares na cidade estratégica de Rostov e viajou centenas de quilômetros rumo a Moscou. Prigozhin afirmou que a rebelião mostrou falhas na segurança russa e um apoio popular contra o Kremlin.
“O Putin é conhecido por ser forte e inficioso. Ele não perdoa traição. Ele mesmo afirma isso. E o que Prigozhin fez é exatamente um ato prescrito no artigo 279 do Código Penal Russo como uma rebelião armada para derrubar o governo. Ou seja, exatamente um ato de traição”, analisa Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador de Harvard. Ele também destaca que, por mais que tenha sido veiculado que o Kremlin iria retirar as acusações contra o Grupo Wagner, os jornais russos informam que isso ainda não foi feito. Prigozhin está exilado em Belarus, a antiga Bielorússia, país vizinho e parceiro da Rússia. “Putin tenta demonstrar que é um líder forte porque a Rússia não tolera líderes fracos. Tenta demonstrar que ainda tem a liderança”, observa o especialista. Ele relembra o caso de Mikhail Gorbatchov, que era considerado um líder forte mas passou a ser ridicularizado pelos russos depois que a União Soviética foi dissolvida.
Mesmo que o líder paramilitar não esteja mais em solo russo, o professor acredita que ele ainda possa ser uma ameça para o atual chefe de Estado. “Embora a Rússia não seja uma democracia, já que o Putin manda prender seus oponentes, como o caso de Alexei Navalny, Prigozhin se apresenta como um líder que poderia substituir Putin nas eleições de 17 de março de 2024″, destaca Brustolin. Por mais que o líder paramilitar ainda não tenha demonstrado desejo de chegar ao poder e derrubar Putin, como ele mesmo deixou claro em declaração na segunda-feira, 26, o professor acredita que Prigozhin se apresenta como uma alternativa. “O Putin já está com 70 anos. O Prigozhin tem 62.”
Em meio aos rumores sobre a perda de poder, o governo russo segue dizendo que mantém o apoio popular. Nesta quinta-feira, 29, o Kremlin celebrou as imagens “incríveis” do presidente Vladimir Putin ao se encontrar com multidões em uma viagem ao sul do país. Putin raramente aparece em reuniões populares, por razões de segurança e sanitárias. Desde o início da pandemia da Covid-19, as pessoas que se reuniram com o presidente em atos oficiais foram submetidas a uma rigorosa seleção, tendo de manter confinamento prévio e fazer testes. Na noite de quarta-feira, porém, a televisão russa transmitiu imagens do presidente com dezenas de pessoas durante viagem a Derbent, uma cidade do Cáucaso russo. Putin aceitou posar para fotos, apertou mãos e até beijou a cabeça de uma criança. “Houve uma demonstração incrível de apoio e de alegria por parte do povo de Derbent”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, com entusiasmo. “O presidente não podia se negar a ir ao encontro do povo”, acrescentou.
Golpe de Estado ou Maskirovka?
Apesar de o líder paramilitar ter dito que não tinha como intenção derrubar o governo e que o objetivo seria mostrar falhas na segurança e evitar o fim do Grupo Wagner, existem muitas teorias e hipóteses sobre o motim no final de semana passado. “Se levantou que o Putin teria coordenado todas essas ações para ganhar popularidade. Mas, na verdade, a imagem dele saiu um pouco arranhada disso. Então, ele se colocou em perigo tendo que vir ao público para fazer duas declarações, em que se mostra um tanto nervoso, preocupado, justamente para ganhar popularidade”, afirma Valdir da Silva Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo. “Na minha visão, não precisava disso. Está um pouco fora essa questão. E outro ponto seria para fortalecimento da situação doméstica em torno da Rússia. Na minha visão, não teria motivos para ser algo encenado”, pontua o professor, que mora na Rússia desde 2017.
O especialista conta que a situação ficou tensa no país durante as notícias sobre o motim, principalmente no sul. “Foi um clima de bastante incerteza, pelo menos até a sua resolução, que também foi inesperada”, relembra. Ele relata que muitas teorias surgiram pelo fato de as coisas terem acontecido de forma desorganizada e inesperada. “O Estado russo tomou um susto. As pessoas também tomaram um susto e passaram a acompanhar o que ia vir depois. Mas não sou daqueles que acreditam que teve um ensaio prévio sobre isso.” Bezerra também percebe uma diminuição significativa das tensões, mas acredita que o Grupo Wagner agora vai passar a ser observado mais de perto.
Brustolin cita a hipótese de que esse teria sido apenas um golpe de Estado fracassado. Na marcha rumo a Moscou, Prigozhin teria esperado conseguir apoio de outros setores das forças armadas e talvez até de forças dentro da Rússia, como a FSB – agência de inteligência do país -, da Guarda Nacional Russa, e até mesmo dos serviços de segurança interna, como as polícias de Moscou. “Quando ele chegou a 200 quilômetros da capital, ele teria percebido que não iria ter esse apoio e resolveu suspender a tentativa de ingressar em Moscou.” Não está claro o porquê de o líder paramilitar ter suspendido a rebelião. No pronunciamento, só foi dito que entraram em um acordo para evitar o “derramamento de banho de sangue”.
Como fica a Rússia na guerra da Ucrânia?
Enquanto a Rússia se preocupava com um problema interno, a Ucrânia mantinha a sua contraofensiva que começou no início de junho, e que já conseguiu recuperar nove territórios. No final desta semana, os ucranianos informaram avanços, por mais que lentos, na região de Bakhmut – local que foi o epicentro do conflito durante meses e que o Grupo Wagner conseguiu dominar e entregar às forças russas. “Se tivesse se consolidado e continuado, ela seria benéfica para o Ocidente, no geral, e para a Ucrânia em particular. Porque a Rússia teria que dividir as tensões com o que está acontecendo na Ucrânia”, diz Bezerra, acrescentando que, caso o problema interno na Rússia continuasse, os ucranianos poderiam ter maior chance de avançar dentro do seu próprio território. O pesquisador não vê impactos imediatos no campo de batalha. Ele vê o conflito como uma guerra de poucos ganhos territoriais de qualquer uma das partes.
Para Brustolin, “a situação da força moral das tropas russas tende a reduzir, ao mesmo tempo em que a situação moral das forças ucranianas tende a se elevar”. Isso é percebido em alguns ataques feitos nesses dias pelas forças ucranianas. Houve atuação em Kherson, uma travessia do rio Dnipro pelas forças ucranianas, em Velika Novolzika e na retomada da cidade de Rivnopil pelos ucranianos. “Esses avanços, portanto, demonstram que, enquanto o Grupo Wagner se retirava e avançava contra Moscou, o que aconteceu não foi o movimento diversionário russo dentro da Ucrânia. Pelo contrário, foi o movimento dos ucranianos aproveitando a retirada do Grupo Wagner para avançar”, fala o professor e pesquisador. Ele destaca que a cidade de Rivnopil fica na fronteira entre Donetsk e Zaporizhia, onde estava o Grupo Wagner, e perto de Bakhmut, onde os ucranianos avançaram pelos flancos da cidade.
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