Quais os impactos para o país e para a geopolítica mundial se a oposição vencer na Turquia?

Kemal Kiliçdaroglu, líder da oposição turca, aparece à frente nas pesquisas com 49,3% das intenções de votos; se vencer, ele acabará com os 20 anos de Erdogan no poder

  • Por Sarah Américo
  • 14/05/2023 07h15
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YASIN AKGUL / AFP Kemal Kiliçdaroglu (1) Kemal Kiliçdaroglu, líder da oposição na Turquia

Depois de 20 anos no poder, Recep Tayyip Erdogan, 69 anos, vê sua era ameaçada por Kemal Kiliçdaroglu, indicado por seis partidos. O líder da oposição aparece na frente nas pesquisas e se fortaleceu durante a semana após Muharrem Ince, líder do partido Memleket, retirar sua candidatura, o que fez o principal candidato à presidência ficar cinco pontos à frente. O turcos vão às urnas neste domingo, 14, para escolher o novo chefe de Estado. Apesar dos especialistas dizerem que não se deve confiar nas pesquisas porque a margem de erro deixa a disputa aberta e há chances de Erdogan manipular os resultados, a votação tende a ser acirrada. A Turquia, uma potência regional de 85 milhões de habitantes, tem sido importante nos últimos tempos, principalmente por causa da sua atuação na guerra da Rússia e Ucrânia, que já se encaminha para o segundo ano. O país é a 11ª maior economia do planeta, membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — o segundo maior exército da aliança — e a porta de entrada para a Europa, devido à sua posição geográfica — está entre a Europa e o Oriente Médio — e desempenha papel crucial na moderação do fluxo de refugiados para a União Europeia. Caso vença a eleição neste domingo (ele precisa obter 50% dos votos mais um) ou em um possível segundo turno, marcado para 28 de maio, Kiliçdaroglu já tem planos para todas essas questões, além de uma estratégia para conter um tema central no país: a alta na inflação, que reduziu o poder de compra dos turcos. “Se Kiliçdaroglu vencer, pode haver mudança na geopolítica mundial, já que Erdogan tem feito jogo duplo ao só se aproximar de Putin. Um novo líder mais ocidentalizado pode afastar o país da Rússia, favorecendo o Ocidente”, indica Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

eleição na Turquia

Mudanças propostas por Kiliçdaroglu

“Nossa República estará coroada de democracia”, disse o líder da oposição Kemal Kiliçdaroglu, que quer acabar com “o regime de um homem só”, fórmula que repete, com frequência para denunciar a extrema concentração de poderes nas mãos do presidente Erdogan. Em seu programa de 240 páginas, o candidato da Aliança Nacional à Presidência, que reúne seis partidos, promete abandonar o regime presidencialista instaurado em 2018 e voltar a uma estrita separação de poderes. Os oposicionistas querem retornar para um sistema parlamentar, no qual os poderes do Executivo são confiados a um primeiro-ministro escolhido pelo Parlamento. O presidente será eleito para um mandato único de sete anos.

A oposição também promete uma “Justiça independente e imparcial” e a libertação de vários presos, incluindo o mecenas Osman Kavala, condenado à prisão perpétua. Kiliçdaroglu afirma que vai soltar Selahattin Demirtas, líder do partido pró-curdo HDP (Partido Democrático dos Povos) e ferrenho opositor do presidente Erdogan. Ele está preso desde 2016 por “propaganda terrorista”. Também afirma que vai reviver a liberdade de expressão e de imprensa e fala em abolir o crime de “insulto ao presidente”, que permitiu sufocar vozes dissidentes, prometendo aos turcos que poderão “criticá-lo muito facilmente”. Presidente do Partido Republicano do Povo (CHP, laico), Kemal Kiliçdaroglu quer garantir por lei o uso do véu para tranquilizar as eleitoras conservadoras que temem que seu partido, historicamente hostil aos “foulard”, volte atrás em certas conquistas obtidas sob Erdoğan. “Defenderemos os direitos de todas as mulheres”, frisou, comprometendo-se a “respeitar crenças, estilos de vida e identidades de cada um”, em contraste com Erdogan, que regularmente acusa as pessoas LGBTQIA+ de “pervertidas”. Kiliçdaroglu deseja reintegrar a Turquia à Convenção de Istambul, que determina o julgamento de autores de violência contra as mulheres. Ancara abandonou esse tratado em 2021.

Para combater a inflação, um problema que assola o país, está planejado romper imediatamente com a política defendida com unhas e dentes por Erdogan. A Aliança Nacional garante que vai reduzir a inflação “para apenas um dígito, dentro de dois anos”, e “devolverá a credibilidade da lira turca”. A moeda perdeu cerca de 80% de seu valor em cinco anos frente ao dólar. Por fim, busca a adesão plena à União Europeia. Diplomatas e observadores não esperam, contudo, avanços no curto ou no médio prazo. Consciente de que Ancara incomodou seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ao estabelecer uma relação privilegiada com Moscou desde 2016, “a Aliança Nacional promete reafirmar a vocação ocidental da Turquia”, explica, à agência de notícias AFP, Ilke Toygür, professor de geopolítica europeia na Universidade Carlos III, de Madri. A oposição afirma que pretende manter um “diálogo equilibrado” com a Rússia, mas, segundo Çeviköz, a prioridade será se reconectar com a Síria de Bashar al-Assad. Essa é uma reconciliação indispensável para garantir o retorno, “de forma voluntária” e em menos de dois anos, dos 3,7 milhões de refugiados sírios que vivem na Turquia — uma promessa que preocupa os defensores dos direitos humanos.

Como funciona as eleições na Turquia?

Essa será a terceira vez que os turcos vão às urnas eleger seu presidente. Estima-se que 64 milhões de pessoas poderão votar no país, além de 3,4 milhões que moram no exterior. Antes de 2014, a eleição era realizada por escolha do Parlamento. Até 2018, a Turquia tinha um sistema de governos parlamentar, mas Erdogan o modificou para o presidencial. O eleito fica cinco anos no cargo e pode cumprir até dois mandatos. Ele também nomeia e destitui ministros e altos funcionários públicos e preside o gabinete de governo, além de escolher os governadores das províncias, o ministro do Interior, os chefes das subdivisões das províncias, ou seja, a influência do presidente chega até a administração local. Em 2018, últimas eleições, 86% dos turcos compareceram às urnas. Assim como o Brasil, o voto é obrigatório.

Há rumores de que Erdogan possa manipular o resultado. O líder da oposição chegou até a declarar que a Rússia estaria interferindo na corrida eleitoral, divulgando materiais falsos online. “Caros amigos russos, você estão por trás das montagens, conspirações, conteúdo deep fake e fitas que foram expostas neste país. Se vocês desejam que nossa amizade continue depois de 15 de maio, tirem as mãos do Estado turco. Continuaremos a favor da cooperação e da amizade”, declarou Kiliçdaroglu na última quinta-feira, 11. Os especialistas dizem não se surpreenderem se os resultados das pesquisas diferirem dos das urnas e Erdogan vencer no primeiro turno. “Não podemos confiar nas pesquisas porque a interferência governamental é muito grande. Há essa possibilidade de o rival estar na frente por causa do desgaste do Erdogan nos últimos anos, incluindo a inflação e o terremoto, mas não me surpreenderia se houvesse manipulação de resultados e Erdogan vencesse logo no primeiro turno”, destaca Rudzit.

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