Reino Unido conhece novo premiê nesta segunda; Liz Truss e Rishi Sunak estão na disputa

Ministra das Relações Exteriores aparece na frente com 30 pontos a mais que o adversário; especialistas ouvidos pela Jovem Pan apontam que questões econômicas são o que difere os candidatos

  • Por Sarah Américo
  • 04/09/2022 20h00
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Susannah Ireland / AFP primeiro-ministro Reino Unido Liz Truss e Rishi Sunak disputam cargo de primeiro-ministro do Reino Unido

O Reino Unido vai conhecer o seu novo primeiro-ministro, substituto de Boris Johnson, que renunciou no começo de julho após uma série de escândalos que marcaram seu governo, na segunda-feira, 5. O vencedor vai assumir imediatamente o comando do governo para enfrentar a crise econômica que afeta o país em um contexto de protestos e greves, com inflação acima de 10% e que deve superar 13% até o fim do ano. Dois candidatos estão na disputa pela posição: Liz Truss, ministra das Relações Exteriores, e Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças. Ambos fazem parte do Partido Conservador. Os militantes conservadores votam por correio ou online desde o início de agosto, e os últimos votos foram computados nesta sexta-feira, 2. Truss aparece como favorita, superando por mais de 30 pontos seu adversário nas pesquisas mais recentes. Se seu favoritismo se concretizar, ela será a terceira primeira-ministra na história do país, depois das também conservadoras Margaret Thatcher (1979-1990) e Theresa May (2016-2019). Porém, se sofrer a virada, um feito histórico vai acontecer. Sunak será o primeiro descendente de indiano a conseguir chegar à posição de premiê britânico.

Independente do vencedor, desafios estão por vir, pois o país enfrenta um cenário econômico e social complicado, que envolve catástrofe do inverno, alto custo de vida, em particular com a elevação de 80% do teto da tarifa de energia a partir de outubro, maior inflação em 40 anos, pandemia de Covid-19 que ainda não acabou, varíola dos macacos, que está se espalhando rapidamente, e a guerra na Ucrânia, que não vai acabar nos próximos meses e deixou o mundo mais militarizado e inseguro. Para especialistas ouvidos pelo Portal da Jovem Pan, não existe muita diferença entre os candidatos, porém, eles divergem em um fator importante: a economia. Truss prometeu cortes imediatos de impostos, afirmando que a iminente recessão não é inevitável e que as mudanças após o Brexit das regras comerciais e financeiras herdadas da União Europeia permitirão estimular o crescimento. Por outro lado, Sunak defendeu a necessidade de manter os aumentos de impostos decididos por ele mesmo antes de deixar o ministério das Finanças e de oferecer ajudas públicas aos mais necessitados e acusou a rival de defender uma “economia de conto de fadas”.

Candidatos a primeiro-ministro do reino unido

Para Ricardo Ghizi Corniglion, coordenador do Curso de Administração da PUC Minas e mestre em Relações Internacionais, “Sunak tem peso na eleição porque desenvolveu um programa de assistência às famílias carentes e foi elogiado pela maneira que conduziu a economia”. Já Truss é uma “grande defensora do Brexit e promete acabar com as leis remanescentes da União Europeia dentro do seu país, além de dar continuidade ao projeto e à política externa do Reino Unido”. Vinícius Vieria, professor da FAAP e da Fundação Getúlio Vargas, aponta que “Sunak está mais bem preparado para lidar com as questões econômicas” que assombram o Reino Unido, enquanto Truss seria uma boa aposta para lidar com a “crise na Ucrânia”. Desde o começo, a Inglaterra adotou uma posição firme contra a Rússia e criticou a guerra. Igor Lucena, doutor em Relações Internacionais, aponta que é difícil escolher qual deles é o melhor, entretanto, afirma que as “propostas de Sunak são mais efetivas e que Truss pode apresentar um risco para aumentar a inflação”. Corniglion complementa dizendo que o Reino Unido carece de um primeiro-ministro de qualidade.

Lucena destaca que o novo primeiro-ministro também vai precisar se preocupar com os acordos comerciais. “O eleito precisa mostrar que a teoria do partido de sair da UE para melhorar o comércio com acordo bilaterais é verdadeira”. Contudo, Vieira diz que esse é o pior momento desde a Guerra Fria para buscar conexões comerciais. “Tivemos a Covid e agora estamos diante de um mundo que parece estar se dividindo em dois: euro-atlântico, centrado nos EUA e União Europeia, e euro-asiático, focado em China e Rússia.” Ele adianta que o Reino Unido queria fazer mais acordos com a Ásia, mas com essa situação, fica complicado, porque “esses grupos caminham para não conversar no médio e longo prazo”. Corniglion complementa afirmando que o “Reino Unido sempre oscilou em se voltar para a Europa e para o resto do mundo” e, agora, as questões geopolíticas devem “ganhar mais importância” e ficar mais em “evidência do que as geoeconômicas”.

Quem são os candidatos?

Liz Truss, Ministra das Relações Exteriores, sorrindo

Liz Truss aparece como favorita para assumir como primeira-ministra do Reino Unido │BEN STANSALL/AFP

Fortalecida por sua carreira política, a chefe da diplomacia britânica Liz Truss emergiu como a grande favorita na corrida por Downing Street contra Rishi Sunak, prisioneiro de sua imagem de rico tecnocrata banqueiro. A ministra das Relações Exteriores tornou-se muito popular nas bases do Partido Conservador. Ela conseguiu se destacar perante a base do partido no poder com o entusiasmo dos convertidos, que representam menos de 200 mil membros, especialmente homens idosos e brancos, que decidem entre os finalistas o sucessor de Boris Johnson. Truss, de 47 anos, que por uma década trabalhou nos setores de energia e telecomunicações, foi nomeada chefe da diplomacia como recompensa por seu trabalho como ministra do Comércio Internacional durante a saída britânica da União Europeia. Nessa posição, a grande defensora do livre comércio, que votou pela permanência na UE antes de mudar de lado, conseguiu fechar uma série de importantes acordos comerciais pós-Brexit.

Nascida em 26 de julho de 1975 em uma família muito de esquerda, ela foi ativa no partido liberal-democrata centrista antes de se juntar aos conservadores e tornou-se deputada em 2010, pelo distrito eleitoral de South West Norfolk (leste da Inglaterra). Desde 2012, ocupou cargos em ministérios (Educação, Meio Ambiente, Justiça e depois secretária-chefe do Tesouro). Ela também poderia ter sofrido as consequências de seu voto contra o Brexit em 2016, mas depois se tornou uma de suas defensoras mais fervorosas, negociando e divulgando novos acordos de livre comércio no ministério de Comércio Internacional. Nomeada em 2021 como chefe da diplomacia britânica – uma forma de Boris Johnson controlar suas ambições – é intransigente contra a União Europeia na Irlanda do Norte e encarna com Boris Johnson a firmeza contra a Rússia após a invasão da Ucrânia. Alimenta comparações com Margaret Thatcher, ultrapopular entre a maioria dos conservadores, ao posar em um tanque ou ao usar uma blusa florida característica.

Rishi Sunak

Se vencer a eleição para primeiro-ministro, Sunak vai ser o primeiro descendente de indiano a se tornar primeiro-ministro │Daniel LEAL / AFP / POOL

Rishi Sunak teve a preferência dos deputados durante os primeiros turnos. Contudo, o ex-ministro das Finanças, de 42 anos, derrapou, agarrando-se à ortodoxia orçamentária diante da crise econômica, enquanto mudava de ideia diante das críticas. O neto de imigrantes indianos também sofreu com sua imagem de traidor, o que precipitou a queda de Boris Johnson ao deixar o governo. Ele teve seu nome envolvido em polêmicas e os casos giravam em torno do status fiscal vantajoso de sua esposa bilionária indiana, que lhe permitia evitar o pagamento de milhões em impostos no Reino Unido, e a autorização de residência nos EUA que Sunak tinha até o ano passado. Se vencer a eleição, ele será o primeiro hindu a ocupar o cargo. Ex-analista do banco Goldman Sachs e funcionário de um fundo especulativo, casado com a filha de um magnata indiano, Sunak acumulou uma fortuna pessoal substancial antes de se tornar um deputado em 2015. Defensor do Brexit, foi nomeado ministro das Finanças em 2020, um cargo importante em meio à pandemia, mas foi criticado por fazer muito pouco para combater a sufocante crise do custo de vida.

Menos de 0,3% da população escolherá seu próximo líder

Os filiados do Partido Conservador são aproximadamente 200 mil, em um país de 67 milhões de habitantes, mas são os únicos que decidem o novo primeiro-ministro britânico. Sob este processo, menos de 0,3% da população do Reino Unido escolherá seu próximo líder. O perfil do eleitorado conservador, segundo o Projeto de Membros do Partido (PMP), uma pesquisa da Universidade de Sussex publicada em 2020, é:  homem, branco e de idade avançada, com um nível econômico acima da média da população. Uma grande proporção, 39%, tem mais de 65 anos, e um quinto tem entre 50 e 64 anos. Em comparação, menos de 20% da população do Reino Unido tem 65 anos ou mais, de acordo com o Office for National Statistics (ONS). O eleitorado do partido também é predominantemente branco: 96%, mais de 10 pontos a mais que o índice entre a população. 

Os membros do Partido Conservador são geralmente mais ricos que o eleitorado em geral: considera-se que 80% pertence às classes sociais média e alta, em comparação a 57% dos britânicos, segundo o instituto YouGov. As personalidades dos candidatos, mais que suas promessas políticas, são citadas como um fator decisivo na votação, segundo uma pesquisa do YouGov realizada entre os membros do partido em julho. Depois dos escândalos que mancharam o mandato de Boris Johnson, metade dos apoiadores entrevistados afirmou que a “honestidade e integridade” do novo líder são importantes. Quanto às políticas, os entrevistados expressaram o desejo de retornar ao “conservadorismo convencional”, com ênfase na redução de impostos e gastos do Estado. A ideia se encaixa nas propostas de Liz Truss, enquanto seu rival Rishi Sunak privilegia a ortodoxia orçamentária após o enorme endividamento público para enfrentar a pandemia. 

Novo premiê vai ser recebido por Elizabeth fora de Londres

rainha elizabeth ii

Rainha Elizabeth vai receber novo premiê britânico em sua residência na Escócia │ANDY BUCHANAN / AFP

Diferente do habitual, a rainha Elizabeth II receberá na terça-feira, 6, o novo premiê em sua residência escocesa de Balmoral, algo inédito para a soberana de 96 anos. A informação foi passada pelo porta-voz do Palácio de Buckingham. Tradicionalmente, a monarca recebe os novos chefes de Governo no Palácio de Buckingham, em Londres, mas por conta de suas dificuldades para viajar, ela fará diferente. Esta será a primeira vez que a chamada cerimônia de “beija-mão” acontecerá fora de Londres desde que o primeiro-ministro Winston Churchill deu as boas-vindas a Elizabeth II no aeroporto de Heathrow em 1952, quando ela se tornou rainha após a morte de seu pai enquanto estava viajando. A saúde de Elizabeth II tem sido motivo de crescente preocupação desde outubro de 2021, quando ela passou uma noite internada para se submeter a “exames” médicos cuja natureza nunca foi especificada. Suas aparições públicas são cada vez mais raras.

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