Rússia encerra regime antiterrorista enquanto vende ideia de normalidade em meio ao enfraquecimento de Putin
Rebelião realizada pelo Grupo Wagner no final de semana representa o maior desafio do líder russo desde que chegou ao poder; analistas consideram que a crise poderia beneficiar os soldados de Kiev
Dois dias após a rebelião que assustou os russos, deixou o Kremlin em atenção para o possível ataque do Grupo Wagner e enfraqueceu a imagem do presidente Vladimir Putin, a Rússia tenta vender nesta segunda-feira, 26, uma ideia de normalidade. Prova disso foi a suspensão das medidas – denominadas operações antiterroristas – de segurança instauradas em Moscou durante a rebelião paramilitar. Sergei Sobymin, prefeito da capital russa, agradeceu aos moradores, por meio do Telegram, pela “calma e compreensão”. Segundo uma reportagem feita pelo jornal britânico ‘The Guardian’, o comitê nacional antiterrorismo da Rússia disse que a situação no país é estável. Nesta segunda-feira, 26, o líder russo apareceu pela primeira vez desde a rebelião frustrada liderada pelo fundador do grupo paramilitar Wagner no fim de semana. No vídeo em que foi compartilhado, Putin discursa no fórum “Engenheiros do Futuro” e elogia as empresas por garantir “o funcionamento estável” da indústria do país “diante de vários desafios externos”. Outra autoridade que também deu as caras foi Sergeil Shoigu, o ministro da Defesa, que foi visto inspecionando as forças russas. Shoigu, que fez duras críticas a Yevgeny Prigozhin, chefe do Grupo Wagner, se reuniu, segundo a agência de notícias Ria, com o coronel-general Nikiforov, comandante do grupo ocidental. “O ministro também deu especial atenção à organização do apoio às tropas envolvidas na operação militar especial, e à criação de condições para o destacamento seguro de pessoal”, diz a nota.
Contudo, apesar da aparente volta à normalidade, muitas questões ainda seguem em aberto, como o que acontecerá daqui para frente, a ausência de respostas sobre o movimento rebelde e o paradeiro dos 25 mil homens que, segundo Prigozhin, o apoiaram em sua rebelião. Vale lembrar que a rebelião do grupo fundado por Yevgueni Prigozhin, um bilionário que já foi aliado de Putin, durou 24 horas e terminou no sábado à noite com um acordo entre ele e o Kremlin, após a mediação do presidente de Belarus, Alexander Lukashenko. Com o acordo, Prigozhin obteve garantias de imunidade para ele e seus combatentes em troca do fim da rebelião. O Kremlin anunciou que o empresário deve viver no exílio em Belarus. Porém, segundo informações divulgadas nesta segunda-feira, o líder do Grupo Wagner continua sendo investigado por sua tentativa frustrada de motim. “O caso não foi encerrado, a investigação continua”, declarou uma fonte da Procuradoria Geral russa, citada pelas três principais agências de notícias russas.
Apesar da aparente normalidade propagada pelas autoridades, a rápida aventura empreendida pelos insurgentes do grupo Wagner entre a noite de sexta-feira e a noite de sábado provocou grande comoção na Rússia. Durante 24 horas, as forças de Prigozhin assumiram o controle de várias unidades militares na cidade estratégica de Rostov do Don, no sudoeste, e avançaram 600 km na direção de Moscou, ao que parece sem grandes dificuldades. Em Rostov, os combatentes paramilitares, inclusive, foram aplaudidos quando deixaram o quartel-general militar que haviam ocupado, a partir do qual são coordenadas as operações na Ucrânia. Apesar de o golpe ter acabado de maneira tão repentina quanto começou, a crise representa o maior desafio que Vladimir Putin já enfrentou desde sua chegada ao poder em 1999. A rebelião não gerou só uma movimentação na Rússia, também mexeu no Ocidente. Para o secretário de Estado americano, Antony Blinken, a crise revela “verdadeiras rachaduras” na autoridade de Putin. “O fato de que existe alguém de dentro questionando a autoridade de Putin e questionando diretamente por que ele iniciou a agressão contra a Ucrânia, isto, em si, é algo muito forte”, disse Blinken ao canal CBS News no domingo.
Na mesma linha, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, declarou nesta segunda-feira que a rebelião dos paramilitares demonstra que a ofensiva na Ucrânia está “rachando o poder russo e afetando seu sistema político”. “Os acontecimentos do fim de semana são uma questão interna russa e uma nova demonstração do grande erro estratégico que o presidente Putin cometeu com a anexação ilegal da Crimeia e a guerra contra a Ucrânia”, afirmou o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg. Na Ucrânia, vários analistas consideram que a crise na Rússia poderia enfraquecer as tropas de Moscou na frente de batalha e beneficiar os soldados de Kiev, envolvidos em uma difícil contraofensiva há algumas semanas. Nesta segunda-feira, a vice-ministra ucraniana da Defesa, Ganna Maliar, anunciou que o exército retomou 17 quilômetros quadrados das forças de Moscou, o que eleva o total de território recuperado a 130 km² desde o início de junho.
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