Na comunidade Nelson Mandela, 10 mil pessoas vivem a 26 dias da reintegração

  • Por Jovem Pan
  • 14/05/2015 09h43
  • BlueSky
Montagem com fotos de Helen Braun Comunidade Nelson Mandela

Menos de um mês: esse é o tempo que falta para que mais de 10 mil pessoas que hoje vivem na Comunidade Nelson Mandela, área invadida entre os municípios de Osasco e Barueri, tenham que deixar a região. O prazo para saída dos moradores expira em 9 de junho.

Com quase um ano e meio de existência, a ocupação cresceu do dia para a noite em um morro à margem do Rodoanel. A reportagem da Jovem Pan entrou nessa comunidade e fez um perfil da invasão que hoje tem mais habitantes do que havia em Pinheirinho – área de São José dos Campos cuja desapropriação, em 2012, gerou um confronto entre policiais e moradores com repercussão internacional.

O relato de Teresinha Celina da Silva se repete pelas ruas da Comunidade Nelson Mandela. “Eu vim de Alagoas com o sonho de ter uma moradia, uma casa, porque a gente que mora de favor, você sabe que criança especial precisa ter um espaço dela”, conta. Vinda do Nordeste para São Paulo, Teresinha perambulou por periferias da região metropolitana com a filha Sara, que hoje têm 20 anos e nasceu com uma paralisia cerebral.

Há mais de um ano, as duas se instalaram na comunidade que tem, segundo os líderes locais, 3.500 barracos.

A origem

A área de pouco mais de 200 mil m² fica em um morro na beira do Rodoanel e está na região de Osasco, Barueri, Santana de Parnaíba e São Paulo.

Os primeiros habitantes chegaram ali no dia 14 de janeiro de 2014, exatos 29 dias depois do sepultamento do líder sul africano Nelson Mandela, homenageado no título da ocupação.

Em duas semanas apenas já eram 500 casinhas de madeira. E nesta quarta (13) as primeiras casas de alvenaria já despontavam no terreno, que é cercado por um aterro sanitário.

Se essa rua fosse minha…

E claro que com tanta gente assim, o comércio e a vida social crescem: quitandas, sacolões, lojas de materiais de construção, restaurantes… Para os fiéis, não faltam igrejas, sobretudo, evangélicas. Para quem prefere festa, têm os bailes de final de semana.

O motorista Robervaldo Alves foi parar na ocupação quando ficou desempregado: foi ele, a mulher e a filha de cinco anos. Gostou tanto, que trouxe a irmã, o sobrinho e o cunhado de Pernambuco para a invasão. “É uma tranquilidade, mil maravilhas”, diz. “Meu colega pedreiro fez para mim (a casa), eu o ensinei a dirigir e ele me fez esse favor.”

Teresa de Paula tem 48 anos. A vida dela foi uma vida de ocupações. Teve dez filhos, 13 netos. Sempre trabalhou como diarista. O trabalho foi interrompido com a descoberta de um câncer no colo do útero, doença que ainda enfrenta.

A vida de militância está no sangue de Teresa: o pai era militante político, lutava pelos sem terra. Agora, a filha vive na luta urbana, dos sem moradia. A bandeira do pai era tão conhecida em Osasco que, ao morrer, no ano passado, ele recebeu uma homenagem.

“Eles deram o nome da rua. Eu até brinquei: se eu ficar sem lugar para morar, vou lá para a rua do meu pai”, diz, sorrindo.

“Decididos a lutar”

Em março deste ano, uma decisão judicial determinou que os moradores da área teriam 90 dias para deixar o local.

O grupo tentou negociar, sem sucesso, a aquisição do terreno, que pertence a uma empresa. O prazo para a saída expira na segunda semana de junho.

Mas os moradores prometem resistir. “Nós estamos decididos a lutar”, diz uma moradora. “Procuramos negociar, mas eles não querem, fecharam as portas, vamos atrás do prefeito (Jorge Lapas), ficamos nos humilhando atrás do prefeito.”

Segundo a prefeitura de Osasco, o local não é adequado ao uso habitacional, e apresenta restrições ambientais com riscos à saúde e à segurança por causa da proximidade com um aterro sanitário. Uma análise do município de Osasco sobre a terra anexada ao processo judicial apontou riscos de deslizamento de solo.

Questionada, a prefeitura de Osasco afirma que não tem um levantamento sobre o número de ocupantes da área e sugere que o questionamento seja feito à Polícia Militar do Estado de São Paulo, órgão que, de acordo com a nota do município, será responsável pela estratégia de cumprimento da decisão judicial.

Reportagem de Helen Braun

  • BlueSky

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.