“Não precisamos de uma polarização entre União e Estados”, diz Barbosa
Uma semana antes do julgamento do mérito sobre a mudança de metodologia sobre o cálculo das dívidas estaduais, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, usou quatro argumentos para tentar convencer o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin de que o saldo da dívida dos Estados deve continuar sendo calculado com base em juros compostos. Classificando a tese que está sendo analisada como “perigosa”, Barbosa ressaltou que Estados e União não precisam estar polarizados, e sim unidos para resolver as questões estaduais. O julgamento do mérito está marcado para o dia 27.
Uma das justificativas apresentadas por ele é o fato de que a mudança pode acabar atrapalhando o resultado fiscal. Na avaliação do ministro, a interpretação pode ser ainda “perigosa”, porque há ainda o risco fiscal, já que os Estados irão pagar menos à União e terão resultado primário menor. “Qualquer resultado menor por parte dos governadores tem que ser compensado pela União, num momento em que a União esta vivendo dificuldade”, afirmou.
O ministro começou o discurso justificando que, em contratos financeiros, se aplica juros compostos e não com base em juros simples. “A lei é clara ao dizer que se paga juros compostos e, em contratos financeiros, o conceito de taxa acumulado é amplamente conhecido”, afirmou. Ele disse ainda que uma decisão com esse teor pode causar um colapso no sistema financeiro, já que produz uma incerteza jurídica.
Barbosa ressaltou ainda que a tese produz ganhos apenas para seis Estados porque todos os outros entes da federação pagarão mais como contribuinte estadual do que federal, e lembrou que, no fim, esse contribuinte é “a mesma pessoa”. Segundo a tese de Barbosa, os Estados que pagariam mais como contribuintes estaduais são: Alagoas, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, todos que já entraram com o pedido para o benefício na Corte. “É uma tese desequilibrada em que apenas seis Estados têm um ganho”, afirmou
O quarto e último ponto levantado pelo ministro é de que ele considera a tese “desnecessária” porque a União deu a oportunidade de os Estados alongarem a dívida por meio do Projeto de Lei enviado ao Congresso no mês passado. “A União está atenta e preocupada com a situação dos Estados, mas existe maneira correta de fazer isso mas sem criar desequilíbrio federativo, incerteza jurídica e que possa contribuir para uma situação fiscal mais sólida para o futuro com contrapartidas”, disse em referência ao projeto já enviado.
Já têm liminar para alterar o cálculos Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
Os representantes estaduais também se defenderam e tentaram mostrar ao ministro Fachin que a situação fiscal dos Estados acabará prejudicando serviços básicos. O secretário da Casa Civil do Rio de Janeiro chegou a afirmar que “o Estado vive uma situação calamitosa, de tragédia”. “Pode faltar gasolina para os carros, hospitais passam por dificuldades e os aposentados, estamos perto de um colapso”, disse.
Os Estados apresentaram suas contas. Segundo Raimundo Colombo, governador de Santa Catarina, o Estado assumiu R$ 4 bilhões em 1997, R$ 13 bilhões já foram pagos e, mesmo assim, continuam devendo R$ 9 bilhões. “Isso penaliza a sociedade nos serviços básicos e não há nenhum argumento econômico que nos convença a abrir mão desse direito (de mudar a metodologia)”, disse. Santa Catarina foi o primeiro ente da federação a ingressar no STF com o pedido, que foi concedido pelo ministro Fachin.
As contas do governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, afirmam que em 1997 foram negociados R$ 9 bilhões da dívida dos Estados, sendo que R$ 25 bilhões já foram pagos e que, mesmo assim, ainda há um passivo de R$ 52 bilhões e também invocou o argumento social para justificar a necessidade de um alívio nas contas estaduais. “Quero dizer com toda honestidade que a União não resolverá seus desequilíbrios financeiros com os Estados falidos, literalmente quebrados. Os Estados vivem uma realidade em que sabemos que todos o poder público tem que buscar um equilíbrio, eu diria a todos os colegas, ao governo federal, aos ministros do STF, que para nós o equilíbrio financeiro não é apenas uma questão econômica, é uma questão social”.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, apresentou um discurso parecido e disse que o Estado renegociou, na ocasião, uma dívida de R$ 46,6 bilhões, sendo que R$ 130,3 bilhões já foram pagos, mas frisou que, ainda assim, São Paulo deve R$ 224 bilhões à União. “E no caso de São Paulo, ainda mais grave porque o Estado deu à União a Cesp, a Comgás, o Banespa e outros ativos. Tudo que o Estado de São Paulo tinha ele entregou à Uião em 1997”, disse. O governador também usou argumentos sociais. “Como é que pode funcionar escola, hospital e outros serviços se o Estado não pode nem repor a inflação nos salários dos servidores. Não é possível o ente mais fraco ser sequestrado e o mais forte ignorar”, disse numa referência às dividas da União com os Estados que, segundo ele, são pagas com base em critérios diferentes dos usados na cobrança inversa.
Enquanto isso, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, afirmou que, em 1999, quando foi consolidada a confissão de dívida dos Estados com a União, os débitos somavam R$ 93 bilhões e que os entes da federação já pagaram, até o final de 2014, R$ 300 bilhões, mas que, mesmo assim, o saldo devedor era R$ 553 bilhões. “Os números são escandalosos.”, classificou.
Na mesma linha, o governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, afirma ter refinanciado R$ 1,383 bilhão e diz ter pago, até março de 2016, R$ 4,271 bilhões, e ressalta ter um saldo devedor de R$ 3,035 bilhões. “É a conta da agiotagem oficial que os Estados tiveram que pagar nesse período”, frisou durante a reunião.
O Estado de Alagoas, comandado por Renan Filho, ressaltou a necessidade de mudança das regras já que a União tem autonomia para enfrentar os problemas fiscais que ela vive, já os Estados, não. “Ter que pagar uma dívida alta à União implica deixar de pagar salários e precarizar serviços públicos. Essa tese de que há irresponsabilidade nos Estados é a tese de quem acha que os Estados são meninos levados que não fazem seu dever de casa”, disse.
Para justificar esse movimento, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, argumentou que a União também paga juros reais altos e isso decorre do fato de termos taxa de juros real muito alta. “Nós também pagamos mais do que devíamos e continuamos com dívida alta”, destacou.
Os governadores aproveitaram para questionar o pagamento do auxílio financeiro para o fomento de exportação (FEX), devido pelo governo federal aos Estados. O ministro reconheceu o atraso dos pagamentos referentes a 2015, lembrou que os recursos foram regularizados, mas afirmou que já pediu autorização ao Congresso Nacional para pagar o montante referente a 2016 no projeto que altera a meta fiscal desse ano.
Ao final da reunião, o ministro Edson Fachin, que mediou o encontro, afirmou que a proposta era ouvir sobre questões que estão no cerne do federalismo nacional. “Questão jurídica dos mandados se referem às questões jurídicas e ao financiamento dos serviços públicos”, finalizou.
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