No coração do Vale do Silício há “selvas” secretas… de pobreza

  • Por Agencia EFE
  • 12/12/2014 10h29

Teresa Bouza.

San Francisco, 12 dez (EFE).- O despejo recente de “A Selva”, o maior acampamento de pessoas sem-teto dos Estados Unidos, em pleno coração do Vale do Silício, se transformou em exemplo da crescente desigualdade na Meca da tecnologia mundial.

Situado às margens de um riacho esquecido na cidade de San José e a pouca distância em carro de titãs tecnológicos como Google e Apple, “A Selva” foi o lar improvisado de 300 pessoas hospedadas em tendas de campanha, búnqueres subterrâneos e outras construções precárias.

No começo da manhã do dia 4 de dezembro soldados forçaram a saída dos residentes no meio de uma crescente pressão do Conselho de Controle de Recursos Hidráulicos Estatais pela contaminação do rio Coyote Creek e a preocupação das autoridades com episódios violentos recentes.

San José e o condado contíguo de Santa Clara têm a maior concentração de pessoas sem-teto vivendo na rua de todo os Estados Unidos, mais de 7.500, segundo a última apuração do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano.

Três quartos dos sem teto nasceram e cresceram na região, e muitos deles têm trabalho, mas não ganham o suficiente para pagar os aluguéis que dispararam ao calor do auge tecnológico dos últimos anos.

Segundo a empresa imobiliária RentJungle.com o aluguel médio de um apartamento de um quarto em San José e nas imediações ronda os US$ 2.633, contra US$ 1.761 de há dois anos. O preço médio de uma casa unifamiliar é de US$ 700.000.

Essa carestia criou uma concorrência por cada apartamento de aluguel disponível, segundo o Destination:Home, uma organização que trabalhou com a cidade de San José para encontrar casas subsidiadas aos sem-teto desalojados de “A Selva”.

Robert Aguirre, um engenheiro eletricista de 60 anos, passou de ser proprietário de uma firma de tecnologia a ficar completamente quebrado, é um dos ex-moradores do acampamento de San José.

“Durante muitos anos tive minha própria consultoria de engenharia no Vale do Silício”, explica Aguirre em um relato publicado na revista “Mother Jones”.

Aguirre conta como, durante anos, ajudou grandes empresas americanas como Microsoft, Cisco e Dell a obter a aprovação dos reguladores para seus produtos, até que decidiram transferir a produção para fora do país.

“Os trabalhos que restam são muito técnicos e geralmente contratam gente recém formada da universidade (…) Os velhos como eu não têm nenhuma chance”, assegura Aguirre, que perdeu seu negócio e sua casa durante a crise.

O salário de sua mulher, incapacitada, não era suficiente para cobrir as despesas e após vários golpes de má sorte acabaram dormindo no carro vários meses, até que sua esposa começou a ficar com as pernas inflamadas e acabaram em “A Selva”.

Um relatório publicado no final de setembro mostra que a desigualdade no Vale do Silício aumenta e que com ela aumentam também as tensões sociais, como evidenciam os protestos em San Francisco contra os ônibus que transportam funcionários das grandes empresas tecnológicas.

O estudo da companhia Joint Venture Vale do Silício mostra que o aumento de renda das famílias mais endinheiradas foi quase cinco vezes maior nos últimos dois anos que no conjunto de famílias.

“A classe média está desaparecendo (…) e o Vale do Silício está se transformando em um lugar diferente, um lugar de gente que tem e outros que não têm, o que faz com que se vejam sinais de tensão”, disse Rusell Hancock ao “Wall Street Journal” durante a apresentação do relatório.

Aguirre, o engenheiro de “A Selva” que obteve agora ajuda para viver em uma casa subvencionada, acredita que as empresas tecnológicas têm a obrigação de ajudar.

“São as que levaram os trabalhos da classe média para fora e impulsionaram para cima os aluguéis e os preços da habitação”, assegurou Aguirre em seu artigo.

“As sociedades são julgadas por como tratam aqueles incapazes de cuidar de si mesmos. Isso é o que diz quem somos realmente”, concluiu o engenheiro. EFE

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