Nos 70 anos do Dia da Vitória, ex-sargento da FEB relembra luta na 2ª Guerra
Boris Schnaiderman nasceu na Ucrânia em 1917. Em dezembro de 1925, veio para o Brasil com a família e foi morar no Rio de Janeiro. Em 1941, naturalizou-se brasileiro e acabou indo para a Itália lutar na 2ª Guerra Mundial, pela Força Expedicionária Brasileira (FEB).
“Fiz tudo para ser convocado. Não adiantava me alistar como voluntário, porque, em casa, seria um Deus nos Acuda e então eu provoquei a minha convocação. Eu preenchia sempre os formulários relatando as minhas qualidades. Dizia que sabia inglês, francês, sabia um pouco e tinha alguns conhecimentos de italiano e espanhol”, contou sorrindo, sobre a estratégia usada para entrar para o Exército. Quando conseguiu, prestou serviço militar em um quartel do bairro do Campinho, na zona norte do Rio.
A guerra durou seis anos, durante os quais as principais potências mundiais, organizadas em alianças militares opostas – países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália) contra países aliados (Estados Unidos, França e Inglaterra) –, enfrentaram-se. Há exatos 70 anos, em 8 de maio de 1945, o conflito acabou.
Boris Schnaiderman é professor aposentado, criador do curso de língua e literatura russa da Universidade de São Paulo (USP) e o autor do livro Guerra em Surdina, em que relata o que passou como terceiro-sargento do 2º Grupo de Artilharia. “O sacrifício foi muito grande. Foi muito sofrimento. Passei mais de um ano na Itália. Chegamos lá [em Nápoles] no dia 16 de julho de 1944 e ficamos até 1945. Foi muito difícil e muito penoso”, recordou. De Nápoles, foi para o Norte do país e, finalmente, para o Leste. “A coisa foi se agravando e foram nos transferindo mais para Leste. Acabamos chegando à área de Monte Castello”, completou.
Em entrevista à Agência Brasil, Schnaiderman contou que muitos brasileiros que foram para a guerra eram pessoas humildes. “Classe média e mais ricos eram minoria na tropa. A grande maioria era do povo pobre do Brasil que não sabia o que estava fazendo ali. Claro, era um governo que estava se voltando para o Eixo e, de repente, se voltou para outro lado [os países aliados] e também o culto ao Getúlio [presidente Getúlio Vargas] que era muito forte. Eles achavam que era o Oswaldo Aranha [ministro de Relações Exteriores do governo Vargas] quem tinha resolvido tudo com os americanos”, contou.
O ex-sargento não conhecia ninguém do seu grupo. As cartas, além de poucas e demoradas, eram censuradas. “Não se podia dizer grandes coisas nas cartas”, apontou. Ele contou que nunca tinha passado por situação semelhante, e os momentos de alívio ocorriam no contato com os companheiros. “A camaradagem com meus companheiros de guerra, claro, era um conforto.”
Naquela época, ele sentia que tudo parecia estar destinado ao fracasso. “A impressão que eu tinha é que íamos para um fracasso total, mas não foi o que aconteceu. Pelo contrário, o soldado brasileiro se revelou de uma resistência fora do comum. Isso não significa que seja um povo diferente dos outros. O que acontece é que populações mais pobres desenvolvem uma capacidade de resistência muito maior e foi o que aconteceu. O brasileiro se revelou. Para mim, foi uma surpresa muito grande. Eu via o brasileiro lutando de verdade. Eles que eram descrentes e não viam motivo nenhum para a luta. Depois que a coisa pegou fogo, se revelaram.”
Para o integrante da FEB, a 2ª Guerra representou uma catástrofe e uma calamidade para o mundo, provocada pela tensão de Adolf Hitler na Alemanha com a vontade de dominar territórios. “Foi uma coisa terrível. Ele queria dominar e aí houve resistência. A grande virada foi a resistência russa”, indicou.
Além de alterar a vida social das pessoas, a guerra influenciou também o sistema político e econômico dos países. O especialista do Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas Alexandre Moreli explicou que, com o fim da 2ª Guerra, ficou claro que aquele modelo de ordem mundial não era correto. Segundo ele, na busca por uma saída, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) que substituiu a Liga das Nações.
“Foi um momento de prova para o mundo em que não se podia voltar ao passado, quando as relações internacionais eram sobretudo anárquicas. Não havia uma disposição para que se tomassem decisões em fóruns coletivos. [Foi] A última grande prova para mostrar para o mundo que era preciso renovar a experiência que tinha surgido com a Liga das Nações, que depois deu origem à ONU. Os excessos da guerra mostram que não era possível manter o conflito e que todos tinham de sentar na mesma mesa para preservar a paz”, analisou.
Morelli afirmou que o sistema das Nações Unidas foi criado com base na correlação de forças que saiu da 2ª Guerra Mundial e, ainda hoje, 70 anos após o término do conflito, é difícil fazer uma reforma na instituição. “É preciso diálogo e é por isso que a gente demora a ver uma reforma do Conselho de Segurança, onde o Brasil tem interesse direto. Nós vamos ver as discussões sobre o futuro da ONU, do multilateralismo e de mais democracia dentro das Nações Unidas, nos anos 90. O movimento do Brasil hoje é o movimento natural da evolução do sistema internacional que não teve correspondência na ONU, porque ela ficou congelada durante 50 anos”, ponderou.
Para o pesquisador, apesar de não ser perfeita, porque ainda existem assimetrias de poder dentro do organismo, a ONU, mesmo sendo muito criticada, representou um avanço para as relações internacionais. Moreli destacou ainda como reflexos da 2ª Guerra a instalação de novas instituições como forma de atingir um ordenamento da economia dos países envolvidos, desestruturados pelo protecionismo gerado pela crise econômica da Bolsa de Nova York, em 1930. “O clima de rivalidade também fez parte da Segunda Guerra Mundial e, ao fim dela, novas soluções foram encontradas para evitar que este, o de rivalidade econômica, ressurgisse no futuro. Aí surgem o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional”, destacou.
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