O mistério das crianças tailandesas que lembram de suas vidas passadas
Gaspar Ruiz-Canela.
Nakhon Sawan (Tailândia), 24 out (EFE). – Muitas crianças tailandesas vêm ao mundo com algo além do que apenas a sua carga genética; trazem as lembranças de suas vidas passadas, uma crença budista arraigada, principalmente, nas zonas rurais.
Como todas as crianças, Nopporn Jairaew nasceu inocente, pelo menos até os dois anos de idade, quando revelou a seus pais que em sua existência anterior morreu com um tiro após entrar para roubar a casa de um vizinho. No começo, os pais resistiram a acreditar na criança, que insistia, inclusive, que naquela vida se chamava Teep, porque não queriam enfrentar o carma, as retribuições ou castigos que cada um recebe pelas boas e más ações.
“Para verificar se Nopporn era a reencarnação de Teep, o levamos ao médico. Então, descobrimos que ele tinha três marcas nos mesmos lugares onde os disparos tinham entrado e saído na mandíbula e na cabeça”, explicou à Agência Efe sua mãe, Po Jairaew.
O pequeno, que não quis contar quem matou Teep, visitou finalmente seus pais de sua vida anterior, um casal de idosos com cabelos brancos que viviam perto e que o receberam como seu próprio filho.
A história de Nopporn, que agora tem 22 anos, foi recebida com absoluta normalidade em Khao Takro, uma pequena aldeia localizada entre campos de arroz na província tailandesa de Nakhon Sawan, cerca de 250 quilômetros ao norte de Bangcoc.
Em 2006, Monkhol Jaikaew, outro morador da região, morreu atingido por um raio quando realizava seus trabalhos no campo e, no funeral, seus familiares fizeram uma marca na testa e no peito para poder reconhecê-lo caso renascesse. Alguns anos mais tarde, os pais do camponês atingido pelo raio receberam a visita de uma mãe com seu filho, Bon, que garantia ser a versão renascida de Monkhol.
“Me pararam na rua, me convidaram para lanchar e me perguntaram pelos cachorros que meu filho tinha antes de morrer”, relatou à Agência Efe sem esconder sua satisfação Arun Jaikaew, o pai de Monkhol.
“Lembrar as vidas passada é algo normal”, afirma o progenitor, segurando a foto de seu filho, que morreu na frente de casa, um imóvel humilde de madeira com uma pequena horta onde as galinhas correm.
Arun Jaikaew e sua esposa, atualmente doente, se consideram afortunados por poderem voltar a ver seu filho, que renasceu em Bon.
Segundo os moradores da aldeia, estas crianças só lembram suas vidas passadas até os sete ou oito anos, em geral. Depois, vão perdendo essas memórias até que as esquecem totalmente. Assim aconteceu com Moowan, que em seus primeiros anos de vida revelou a sua vizinha ser sua avó renascida e contou particularidades pessoais, como onde guardava seus vestidos e até detalhes de suas propriedades.
Moowan, que atualmente tem sete anos, já não lembra com clareza sua suposta vida anterior, embora mantenha uma relação muito estreita com a família de sua vizinha, a quem visita regularmente e considera como segundo lar. Seu caso chegou a sair em programas da televisão nacional e, inclusive, em um livro sobre os vários casos de renascimentos na aldeia. Os budistas preferem dizer “renascer” a “reencarnar”, já que não acreditam na existência da alma.
A quantidade de casos de crianças que alegam lembrar suas vidas passadas na Tailândia atraiu, entre 1970 e 1980, a atenção de Ian Stevenson, um psiquiatra americano que percorreu o país em várias ocasiões para catalogar depoimentos.
O psiquiatra, que morreu nos Estados Unidos em 2007, recolheu cerca de três mil supostos casos de renascimentos em vários lugares e dedicou um livro aos casos que documentou na Tailândia e Mianmar: “Twelve Cases in Thailand and Burma” (“Doze casos na Tailândia e Mianmar”).
Stevenson, que com apenas 38 anos chegou a ser o responsável pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade da Virgínia (Estados Unidos), considerava a reencarnação ou renascimento como a “explicação mais plausível” para muitos dos casos que estudou. Em sua opinião, muitos problemas fisiológicos tinham explicação nas vidas passadas, como a fobia à água das pessoas que, na vida anterior, morreram afogadas.
O psiquiatra topou com o ceticismo e a rejeição de muitos de seus colegas, mas sua tenacidade e uma doação do inventor da máquina fotocopiadora, Chester Carlson, lhe permitiram criar em 1967 a Divisão de Estudos Perceptivos na Universidade da Virgínia, talvez o primeiro departamento de parapsicologia do mundo.
Um ano antes de sua morte, Stevenson escreveu um artigo intitulado “Meia carreira com o paranormal” no qual pedia a seus colegas que continuassem investigando este campo sem se importarem com as incompreensões que, conforme explicou, também foram enfrentadas por cientistas como Galileu Galilei, Alfred Wegener e Edward Jenner. EFE
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