O país onde ninguém quer viver
Desirée García.
Nairóbi, 27 jun (EFE).- “Na Eritreia, todo mundo tem medo de todo mundo. Ninguém se fala, nem mesmo com a própria mãe ou os irmãos”, disse um refugiado eritreu que pede para não ter a identidade revelada.
“Se você publicar meu nome, podem me matar”, alegou.
O descaso internacional com as atrocidades do regime totalitário eritreu pode começar a mudar com os trabalhos de uma comissão de investigação da ONU, que admitiu que o país é “definido pela repressão e o medo”.
Cerca de 5 mil eritreus terão fugido do país ao fim do mês de junho movidos pelo medo da fome, de serem trancados em uma cela ou torturados. Estima-se que na Eritreia vivam 5,5 milhões de pessoas, mas ninguém tem o dado com exatidão, já que o governo está há anos sem fazer um censo.
“Foi adiado (o censo) por causa do conflito de fronteiras com a Etiópia”, explica o relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
A disputa, que levou ambos os países à guerra entre 1998 e 2000, é o argumento do líder da Eritreia desde sua independência. Ainda hoje, o ditador Isaias Afewerki usa esse fato para justificar um “estado de exceção” permanente, sem eleições nem direitos básicos.
Situada nos últimos lugares (o de número 177) do ranking de índice de desenvolvimento da ONU, e nos primeiros se a base for o nível de censura, a “Coreia do Norte africana” forçou o exílio de 363 mil pessoas na última década, que sonham em chegar ao litoral europeu ou à Península do Sinai.
A tragédia que elas deixaram para trás vale o risco.
“Todo o país vive como um escravo. Nem os que têm emprego ganham dinheiro suficiente para alimentar ou educar seus filhos”, conta o refugiado, que é jornalista e está em Nairóbi, um dos poucos que se atrevem a falar o que acontece dentro da “maior prisão” do mundo.
Ao nascer, o eritreu é lançado, em 70% dos casos, a uma vida de miséria, segundo dados do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Menos de 50% da população poderá ir ao colégio. O restante vai trabalhar em uma terra estéril ou nos negócios da família, caso estes não tenham sido desapropriados pelo Estado. Nenhum deles chegará à universidade, porque a única que existia, na capital, Asmara, fechou há uma década após protestos estudantis.
Ao chegar à puberdade, o eritreu enfrentará um dilema: entrar para o serviço militar obrigatório, de onde alguns jamais retornam à vida civil, ou fugir.
“Quando uma criança chega aos 15 anos, seja menino ou menina, é o momento de fugir antes de ser recrutado pelo serviço militar”, contou um dos cidadãos ao Observatório International Crisis Group (ICG).
O eritreu dificilmente não morrerá ao tentar atravessar a fronteira. Tenha mais de 18 ou seis anos, receberá tiros, a não ser que tenha pagado os US$ 6 mil que é quanto custa o “documento especial assinado pelo presidente” que vende a liberdade.
“Todo mundo quer deixar esse país porque não há direitos, porque qualquer um pode te tirar de casa. Os únicos que não fogem são os que têm 80 ou 90 anos. Porque não podem”, garante o homem, de 47 anos.
No exílio, o eritreu ainda deve se desvencilhar dos tentáculos de um estado que dedica muitos recursos à inteligência. Em cidades como Nairóbi, os conterrâneos não podem ser amigos: “E se for um espião?”, questiona ele.
O medo que envenena os eritreus chega aos membros dos únicos grupos que podem desafiar o governo: uma minoria com educação e dinheiro, pessoas que são “mortas de forma sistemática”.
No canto de um restaurante, tomando um suco, o jornalista exilado chora pelo país que leva “em seu coração”, mas, sobretudo, pelos que ficaram lá.
“O povo da Eritreia está sofrendo muito, mais do que qualquer outro ser humano no mundo”, lamenta. EFE
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