Obra de ciclovia não considerou ondas fortes
Nos relatórios mensais de acompanhamento de construção da Ciclovia Tim Maia, a prefeitura do Rio deixou de considerar as ondas fortes comuns naquele trecho do litoral carioca como risco à obra e aos operários. Uma delas derrubou, há seis dias, um trecho de 50 metros do percurso entre os bairros do Leblon e de São Conrado, na zona sul. Dois homens morreram.
Os documentos relacionam perigos decorrentes do tráfego pesado na Avenida Niemeyer, via litorânea ao lado da ciclovia, e da inclinação da encosta.
Falam até da proximidade com áreas urbanas, mas não abordam a possibilidade de ressacas. “Em geral, a ciclovia não contempla riscos consideráveis”, apontam os relatórios produzidos pela Secretaria Municipal de Obras e pelo consórcio construtor, em abril, maio e junho de 2015. A ciclovia foi inaugurada em janeiro deste ano. O relatório de abril informa apenas que a região “é considerada zona de respingo de maré, o que aumenta o grau de dificuldade de execução das obras”, no capítulo Descrição do Empreendimento.
No relatório de junho de 2015, é dito que “a ciclovia em questão será construída em uma área de escarpas, exigindo cuidados adicionais na sua execução”. “A obra foi dividida em 15 trechos, cada qual com a sua peculiaridade geológica/geotécnica. Na delineação da avenida são verificadas vertentes côncavas, convexas, escarpas naturais e talvegues (local mais profundo de um vale). Esses fatores tornam a região mais suscetível a deslizamentos de solo e de blocos soltos de rochas, pertencentes às falhas naturais”, apontam os pareceres.
Nos relatórios, a prefeitura relata os avanços no contrato de execução do serviços por meio de textos, cronogramas, gráficos, quadros, tabelas, planilhas e registros fotográficos. A gestão municipal informou que os documentos são encaminhados ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pelo financiamento da obra.
Improbidade
O Ministério Público do Estado do Rio instaurou inquérito civil para apurar eventuais atos de improbidade administrativa provenientes da contratação, pela Fundação Geo-Rio (vinculada à prefeitura), do consórcio Concremat. A prefeitura proibiu ontem o consórcio de participar de licitações de novas obras públicas na cidade “enquanto durarem os trabalhos de apuração das responsabilidades técnicas pelo acidente da Ciclovia da Niemeyer”.
O município informou ainda que todos os pagamentos para o consórcio estão retidos. O decreto do prefeito, que será publicado hoje, ainda determina que os responsáveis técnicos pela obra sejam afastados de qualquer contrato firmado com o município.
Monitoramento
É possível tornar a Ciclovia Tim Maia, na zona sul do Rio, segura para ciclistas e pedestres. A avaliação é de engenheiros ouvidos pela reportagem. Eles defendem, porém, que o monitoramento das ondas seja permanente.
“O que tem de ser feito é óbvio: que haja algo que suporte à ação das ondas e também um sistema de alerta que feche a ciclovia, em caso de ressaca. Ainda que a estrutura fosse forte teria ocorrido a tragédia, porque as pessoas seriam engolidas pelo mar”, disse o engenheiro Paulo Cesar Rosman, do Programa de Pós-graduação em Engenharia (Coppe) da UFRJ.
Uma das formas de proteger a ciclovia é instalar um anteparo entre o mar e a pista. As técnicas são variadas, sendo uma delas a de enrocamento, que consiste na colocação de blocos de pedra ou de cimento, dispostos uns sobre os outros, sobre os quais as ondas incidam, chegando à pista com menos energia, disse Manoel Lapa, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ). “Dá para reconstruir sem qualquer tipo de temor. Mas tem de fechar quando não for absolutamente seguro.”
Reynaldo Barros, presidente do Crea-RJ, afirmou que a prefeitura deverá realizar análise preliminar de risco para avaliar todas as falhas na construção, considerando a influência de corrosão, marés, vento e ondas. “É preciso um cuidado especial, pois a natureza cobra o devido valor pelas coisas mal feitas.”
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