Peregrinação medida até o último detalhe pela política

  • Por Agencia EFE
  • 21/05/2014 18h55

Javier Martín.

Jerusalém, 21 mai (EFE).- Além de sua essência espiritual e seu caráter religioso, a peregrinação que o papa Francisco fará no próximo fim de semana à Terra Santa possui uma dimensão política que palestinos e israelenses irão explorar para o próprio benefício.

Como seus antecessores, Francisco chega à terra de dois povos em constante conflito, onde cada gesto é observado com uma lente de aumento e cada ato negociado ao extremo, em uma tentativa quase paranóica de interpretar todos os detalhes.

Fontes do Patriarcado Latino em Jerusalém admitem que cada ponto da visita foi discutido a exaustão, com sucessivas minutas para fechar uma agenda que deixa ao pontífice pouco espaço para o descanso.

“Cada proposta recebia uma contraproposta. Às vezes, parecia que eles não se importavam que fosse um líder religioso que quer rezar e ter contato direto com os fiéis”, explicou a fonte, que pediu para não ser identificada.

O papa chegará à Palestina vindo da Jordânia, após atravessar o Rio Jordão e sobrevoar em um helicóptero uma Cisjordânia na qual florescem as colônias judias, apesar de ser ilegais segundo a lei internacional.

Lá, será recebido pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, antes de rezar uma grande missa na Praça da Natividade.

“Levando em conta sua personalidade e sua preocupação com todos os que sofrem, tenho certeza que dirá algo em favor dos palestinos que vivem sob a ocupação”, disse na última sexta-feira padre Jamal Khader.

Khader, o religioso encarregado da coordenação da visita, admitiu depois à Agência Efe que a esperança reside no caráter espontâneo e imprevisível de Francisco, que em outras ocasiões saiu da programação.

“A ideia é que possa se aproximar das pessoas, falar com elas, e expressar seu sentimento”, explica Khader, que espera uma frase comprometida do papa sobre a ocupação.

João Paulo II, por exemplo, afirmou em sua visita estar convencido de que os moradores da região de Belém eram os descendentes dos pastores que visitaram Jesus.

A afirmação do então papa foi uma sentença que os palestinos interpretaram como um reconhecimento daquilo que os judeus mais conservadores tentam negar: que quando os primeiros sionistas chegaram, no final do século XIX, acharam uma terra despovoada.

Seu sucessor, o atual papa emérito, ficou impressionado com o muro de secessão que Israel começou a construir em 2003, em plena Intifada.

“Uma das visões mais triste da minha visita foi o muro”, disse Bento XVI, papa que os israelenses criticaram por sua mensagem “morna” sobre o Holocausto.

“O fato de que venha diretamente da Jordânia de helicóptero é uma forma de reconhecimento da Palestina”, afirmou Khader.

Francisco é o primeiro pontífice que colocará os pés na Cisjordânia desde que há dois anos os esforços palestinos frutificaram em sua admissão como Estado observador na ONU, categoria compartilhada com o Vaticano.

Após a missa e a visita a refugiados palestinos de Belém, a reunião seguinte do papa será na Igreja do Santo Sepulcro, situada na parte antiga de Jerusalém e a apenas oito quilômetros da cidade que viu Jesus nascer.

Mesmo assim, o pontífice deverá voar a Tel Aviv – 50 quilômetros ao oeste – para ser recebido pelas autoridades israelenses antes de ir a Jerusalém Oriental. Um movimento que os palestinos denunciam como um truque para evitar que o papa aterrisse na parte que reivindicam como capital de seu estado desde a própria Palestina, e deva fazê-lo a partir de Israel.

Em Jerusalém se reunirá com o patriarca da Igreja Ortodoxa Grega, Bartolomeu, e ficará na Nunciatura Vaticana, situada na zona oriental.

Na manhã seguinte, visitará o disputado Monte do Templo, terceiro santuário do Islã e local reivindicado pelos judeus para construir seu terceiro templo.

Depois, o papa descerá para rezar no Muro das Lamentações, e realizará atos protocolares obrigatórios para todo chefe de Estado que viaja a Israel, como a visita ao museu do Holocausto.

Em seguida, se reunirá com os dois principais rabinos; encontrará com o presidente israelense, Shimon Peres, na presidência; e receberá o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, em um lugar de especial significado: a Igreja de Notre Damme, situada junto à denominada Linha Verde de 1967, e propriedade do Vaticano.

Mesmo assim, fontes diplomáticas israelenses afirmam que o país está “satisfeito com a viagem de Francisco, que vem acompanhado de um rabino” e que os esforços são máximos para garantir segurança e comodidade.

No entanto, alguns admitem que há preocupação com os eventuais atos de vandalismo de radicais judeus – recorrentes nas últimas semanas – e com a possibilidade de que fique exposta a polêmica sobre as colônias, assinalada como o obstáculo que conteve a última e fracassada tentativa de diálogo. EFE

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