Pigmeus, os “intocáveis” do Burundi

  • Por Agencia EFE
  • 21/08/2014 06h22

Sol Carreras.

Gitega (Burundi), 21 ago (EFE).- Sem documentos de identidade e com altas taxas de analfabetismo, os pigmeus do Burundi, na África, vivem marginalizados em um país onde são os pobres entre os pobres. Mesmo assim, com ajuda de organizações foram melhorando as condições de vida, e já há, inclusive, universitários desta etnia.

Bukecuru mostra com orgulho sua casa de adobe com telhas, um luxo se comparada à anterior, uma cabana de palha onde mal havia lugar para ela, seu marido e os cinco filhos, três dos quais já vivem independentes.

“Nos molhávamos com a chuva e entrávamos nos arrastando pelo chão, como os ratos”, conta a mulher, de 50 anos, que mora na cidade rural de Gatwe, próxima à antiga capital de Gitega.

Contudo, as condições continuam sendo precárias: no mesmo quarto em que dormem duas de suas filhas fica também a cozinha, que não é mais que um monte de lenha no chão com uma panela na qual aquecem a comida que consomem apenas uma vez ao dia.

O casal dorme em um quarto situado em frente a um estreito corredor que faz as vezes de lavanderia e banheiro, com um recipiente com água e uma corda pendurada de ponta a ponta da parede com a roupa estendida.

O terceiro quarto, colado a uma sala alongada vazia, eles usam para guardar a vaca, a única posse perante a falta de terras, algo habitual em um povo pobre e seminômade como os pigmeus.

“Precisamos de um terreno para cultivar porque temos fome”, diz Nakintije, seu marido, da mesma idade, que reivindica ser “como os outros burundineses”.

O povoado onde vivem, com 34 casas, é um dos 20 ajudados pela Mãos Unidas em um programa de segurança alimentar destinado aos pigmeus, a primeira etnia que povoou o Burundi, mas que hoje em dia representa apenas 1% dos pouco mais de nove milhões de habitantes do país, de maioria tutsi e hutu.

“Eles são muito parecidos aos intocáveis da Índia e aos ciganos na Europa porque vivem isolados e desprezados pelos outros, mas já aceitam isso como normal, se acostumaram”, explica o padre Bernard Lesay.

O religioso, de 82 anos, mantem contato com os pigmeus desde 1999, quando começou a colaborar com a organização Ação Batwa criada pela ordem dos Missionários da África, que pretende “acompanhar os pigmeus em suas dificuldades cotidianas e fomentar sua integração”, para o que consideram fundamental proporcionar uma casa digna.

“Ao viver em casas como os demais se consideram pessoas”, diz o padre.

Na cidade de Carire, outro povoado da província de Gitega que a Agência Efe visitou em uma viagem de imprensa organizada pela Mãos Unidas, a ONG espanhola financiou 44 casas para pigmeus que enfrentam os mesmos problemas que o resto do país: rejeição social, baixas taxas de escolaridade e escassez de alimentos.

“Se cultivo não vendo nada, porque o que eu cultivo eu como”, conta Maria Nahimboneye, de 70 anos, a mais idosa de um povoado tomado por crianças descalças que andam pelo campo e com roupas sujas e rasgadas.

Para poder sobreviver, fabrica recipientes de cerâmica que vende por 50 francos burundineses, aproximadamente R$0,07, como muitas mulheres da etnia que, como ela, fazem trabalhos manuais, sem ajuda.

Seu marido não lembra a própria idade, mas recorda que trabalhou durante a época da colonização belga até a independência do Burundi em 1962, e que depois foi servente do rei Muambutsa. Ao ser perguntado sobre em que época vivia melhor ele dá uma resposta rápida: “Eu quero é comer”.

Alguns pigmeus do Burundi conservam os traços primitivos e a estatura baixa que caracterizam esta etnia, presente em outros países da região equatorial da África, além de Bornéu e Nova Guiné.

No entanto, atualmente o aspecto de muitos deles quase não difere a olhos ocidentais do resto dos habitantes do Burundi que, apesar dos avanços, não se abrem a esse grupo, ao qual atribuem todos os estereótipos negativos da sociedade.

Devido ao estilo de vida seminômade e ao isolamento, muitos pigmeus burundineses não estão registrados. Há ainda os que continuam construindo suas próprias cabanas, como Nyonsaba Clodne, de 25 anos, que vive no povoado de Musenga, no leste do país, com seu marido e dois filhos, e sonha em ter “uma casa bonita como os outros”.

Outros pigmeus do Burundi, por outro lado, conseguiram prosperar com a ajuda de organizações e congregações religiosas como os Apóstolos do Bom Pastor e da Rainha do Cenáculo, integrada por sacerdotes católicos que administram, perto de Gitega, um internato com mais de uma centena de estudantes e um centro de formação de ofícios. Lá, os jovens pigmeus se misturam com meninos de outras etnias e aprendem a progredir em áreas como a marcenaria, a mecânica e a indústria têxtil.

Um dos pigmeus que passou por ali está na universidade e outros dois ingressarão no próximo ano, o que representa uma grande esperança para conseguir a integração definitiva de uma etnia que continua se sentindo estrangeira em seu próprio país. EFE

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