Adiamento no STF pressiona Senado a votar marco temporal e amplia cisão entre Poderes

Pedido de vista pelo ministro André Mendonça abre caminho para definição antecipada no Congresso Nacional, mas advogados ponderam que palavra final caberá ao Supremo

  • Por Caroline Hardt
  • 10/06/2023 14h40
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Fellipe Sampaio/STF André Mendonça Ministro André Mendonça participa da sessão plenária do STF

A discussão sobre o marco temporal marca uma nova cisão entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao longo da semana, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que representaria a decisão da Corte sobre a constitucionalidade da demarcação de terras indígenas, foi adiado em até 90 dias, após um pedido de vista apresentado pelo ministro André Mendonça, causando um mal-estar entre os magistrados. O marco temporal define que poderão ser reivindicadas por povos indígenas apenas terras já ocupadas em 5 de outubro de 1989 — data da promulgação da Constituição Federal. A postergação do julgamento na Corte, com repercussão geral já definida, também abre caminho para aumento da pressão de parlamentares da oposição para que o Parlamento defina a nova legislação sobre o assunto, a partir da análise do Projeto de Lei 490/2007, já aprovado na Câmara dos Deputados. Na prática, no entanto, a última palavra caberá ao STF, abrindo mais um capítulo de tensões entre os Poderes.

A tramitação do marco temporal no Congresso Nacional ganhou força desde o último dia 24, quando o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), incluiu — sem aviso prévio — um requerimento de urgência para apreciação da matéria, que é de 2007. Com a aprovação, o texto foi encaminhado diretamente para discussão e votação em plenário, sendo aprovado com placar de 283 votos favoráveis e 155 contrários, uma nova derrota ao governo Lula 3. Com o resultado e, agora, o adiamento no Supremo, membros da oposição intensificaram a pressão na Casa Alta, e o senador Ciro Nogueira (PP) protocolou um requerimento para tramitação da matéria em regime de urgência. Mesmo sob pressão, interlocutores ouvidos pela reportagem afirmam que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fará o possível para postergar a discussão. Líderes da base governista, inclusive, também já anteciparam que a análise acontecerá “sem açodamentos”. “O marco temporal não deve ser votado no Senado durante um prazo bastante expressivo. Provavelmente, nem será votado. A expectativa é aguardar a decisão do Supremo sobre o tema”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE) ao site da Jovem Pan.

O cenário abre um novo caminho para um novo período de tensão entre os Poderes. Entre os parlamentares que defendem o marco temporal, especialmente aqueles ligados à bancada do agronegócio, o entendimento é que a definição sobre o tema cabe ao Congresso, não ao STF. Para eles, ao não se posicionar sobre a discussão, o Parlamento “abre caminho” para o Judiciário legislar. Em contrapartida, ainda que os congressistas busquem arranjos para garantir a aprovação antes da definição do Supremo, na prática, a última palavra caberá ao Judiciário, seja o PL 490/07 aprovado ou não, explica o advogado professor de direito constitucional Antonio Carlos de Freitas Junior. Ele pondera que, até que uma lei sobre o tema entre em vigência, cabe ao STF interpretar o texto constitucional e decidir sobre os efeitos do artigo 231 da Constituição, que prevê que as terras indígenas são aquelas tradicionalmente ocupadas pelos indígenas. Entretanto, ainda que prevaleça a pressão da oposição e seja aprovado o Projeto de Lei no Senado, impondo uma nova legislação, também cabe à Corte se manifestar sobre a constitucionalidade da matéria

“É possível que o STF volte a analisar a questão, mantendo sua decisão do julgamento atual quanto ao tema, tendo a palavra final sobre o critério temporal para a caracterização de área indígena”, detalha Freitas Junior. Em entendimento semelhante, o advogado Alessandro Azzoni reforça à reportagem que não haverá um atropelamento de competências pela Corte ao definir sobre a demarcação de terras indígenas, mas o cumprimento do papel próprio Judiciário perante as esferas de Poder. “O STF julga matérias constitucionais. Ou seja: que conflitem com a Constituição. Então cabe ao Supremo verificar se as normas se infringem os princípios constitucionais. (..) STF não estará legislando, não vai criar uma lei. Vai verificar se a lei aprovada está de acordo com a Constituição. Lembrando que o Supremo é a última Corte que faz o controle de constitucionalidade e só faz ações do que ele é provocado”, pondera. Em suma: sem uma aprovação do marco temporal, a decisão caberá ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, se aprovado o texto, também será a Corte responsável por chancelar a constitucionalidade da matéria, prevalecendo — em qualquer cenário — a posição a ser defendida pelos ministros.

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