Vice da Câmara declara oposição a Bolsonaro e fala sobre impeachment: ‘Não há fervura, mas água está esquentando’

Em entrevista exclusiva à Jovem Pan, Marcelo Ramos (PL-AM) também comentou sobre os ataques feitos pelo presidente da República, a PEC do voto impresso e a discussão sobre o semipresidencialismo

  • Por André Siqueira
  • 20/07/2021 12h12 - Atualizado em 20/07/2021 19h02
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados Deputado preside sessão em comissão da Câmara Depois de presidir as comissões da reforma da Previdência e da prisão em segunda instância, Ramos foi eleito vice-presidente da Casa

A inclusão do vultoso valor de R$ 5,7 bilhões do Fundo Eleitoral, o Fundão, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada na última quinta-feira pelo Congresso, colocou o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), na mira do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores nas redes sociais. O chefe do Executivo federal e seus apoiadores acusam o parlamentar do Amazonas de ter “atropelado o regimento” da Casa e impedido a votação de um destaque do partido Novo que vetaria o chamado Fundão – o que não é verdade. Em razão disso, nos últimos dias, o nome de Ramos, que desafiou Bolsonaro para um debate sobre os recursos destinados às campanhas eleitorais, figurou entre os assuntos mais comentados do Twitter. O vice da Câmara, no entanto, afirma que não irá se intimidar com os ataques. “Eu não tenho medo de ficar ao lado de quem luta contra isso porque isso é estar do lado certo. Pode vir quente”, escreveu em seu perfil na rede social.

Em entrevista à Jovem Pan, Marcelo Ramos falou sobre a ofensiva capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro, avaliou o cenário político para as eleições de 2022, chances de um processo de impeachment prosperar, comentou sobre a PEC do voto impresso que tramita na Câmara, uma das principais bandeiras do bolsonarismo no Parlamento, e indicou um movimento importante. Filiado ao PL, de Valdemar Costa Neto, legenda que integra a base do governo e abriga a ministra Flávia Arruda, responsável pela articulação política, o vice da Câmara deixa a posição de independência e se torna oposição ao Palácio do Planalto. “Do meu partido, só recebi solidariedade. A direção da sigla sempre me deu muita liberdade, mas não posso servir a um governo que faz o que Bolsonaro faz e o que esses marginais digitais estão fazendo. Simplesmente não posso. Isso atenta contra a minha dignidade”, disse à reportagem. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

O senhor comunicou a direção de seu partido, o PL, para avisar que se tornou oposição ao governo. Por que tomou esta decisão e qual foi a sinalização da sigla? O que as pessoas não percebem é que o objetivo final do Bolsonaro é marchar sobre nós, marchar sobre o presidente Arthur Lira, sobre o Marcelo ramos, sobre os partidos que dão sustentação a ele. Esse é o objetivo dele. Está nas nossas mãos decidir se vamos impor o limite a isso ou não. Ele pode atravessar a linha, mas eu estarei na trincheira. Do meu partido, só recebi solidariedade. A direção da sigla sempre me deu muita liberdade, mas não posso servir a um governo que faz o que Bolsonaro faz e o que esses marginais digitais estão fazendo. Simplesmente não posso. Isso atenta contra a minha dignidade.

Por que o senhor pediu acesso aos mais de 120 pedidos de impeachment contra o presidente? Para mostrar ao presidente que tudo tem limite. Ele não vai tripudiar sobre o Legislativo. Não vai. Em segundo lugar, quero fazer uma análise dos fundamentos jurídicos dos pedidos. Se amanhã eu estiver no exercício da presidência da Câmara, em tendo fundamentação jurídica, caberá a mim o julgamento, de conveniência política, de aceitar ou não o pedido. Mas essa situação não está dada.

Em reação à postura do deputado Arthur Lira de não avaliar os pedidos, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) apresentou um projeto que tira a prerrogativa exclusiva do presidente da Câmara de abrir processo de impeachment e dá a possibilidade de o plenário da Casa deliberar sobre o recebimento de denúncia contra o presidente da República. Como o senhor avalia isto? Vejo com muita prudência. Não podemos, no afã de responder a esses arroubos do presidente, criar um mecanismo que vulgarize os pedidos de impeachment. O PL estabelece que o requerimento possa ser apresentado uma vez a cada sessão legislativa, ou seja, uma vez por ano. Em quatro anos, teríamos quatro pedidos. Não se pode vulgarizar o processo. Passaríamos o mandato todo de um presidente discutindo se haverá impeachment. Agora, acredito que temos que refletir sobre duas coisas: existir um prazo para que se despache, se decida se aceita ou nega o pedido, porque o presidente da Câmara tem que ter este prazo; em segundo lutar, refletir se essa decisão cabe ao plenário ou se depende de uma análise prévia da CCJ [Comissão de Constituição e Justiça].

As condições para um processo de impeachment estão colocadas? Ainda não tem fervura, mas a água está esquentando. É muito dano para a vida do povo brasileiro, são muitas mortes, muito sofrimento, muito luto, muita fome e miséria. Não há país que suporte isso impunemente. Às vezes, a gente trata da política abstraindo que do lado de fora tem vida. Eu vejo o desespero das pessoas que me mandam mensagem, pedindo cesta básica, pedindo um botijão. Isso não pode passar impune. Eu quero estar do lado, estarei do lado dos que estão sofrendo e resistindo.

As pesquisas eleitorais apontam uma polarização entre Lula e Bolsonaro. Como avalia isto e quais as chances de uma terceira via prosperar? Falta à terceira via apresentar um projeto de país. As pessoas não vão se agarrar a um candidato só por dizerem que não são Lula nem Bolsonaro. Elas precisam sentir segurança no projeto. Até agora, a terceira via não apresentou isso. Deveria ser um projeto moderado, socialmente responsável, ambientalmente sustentável, liberal na economia e com fundamento sólido nas nossas instituições. Diante desse cenário, começo a achar que a única possibilidade da terceira via se viabilizar ocorrerá se o presidente se inviabilizar eleitoralmente, definhar politicamente.

Se inviabilizar? Como? Falta de projetos. Veja só: por impulso natural, depois de atingirmos o fundo do poço, a economia vai melhorar, mas não há perspectiva. Qual é a política econômica deste governo? Qual é a proposta? Em que apostam? Eles comemoram que o PIB vai crescer 5%, mas omitem que em 2020 caiu 4%, ficam pensando que o brasileiro é otário.

Ainda sobre as eleições de 2022, o presidente Bolsonaro coloca em xeque a lisura do processo e defende o voto impresso, que tramita na Câmara. Como o senhor avalia a movimentação dos partidos para barrar esta PEC? O gesto dos partidos é muito simbólico, porque estamos falando de partidos da base do presidente. Demonstra que não há submissão aos interesses do presidente. Prevalece o respeito às instituições. PSD, PL, PP, todos mudaram os membros [da comissão especial que analisa a proposta] para deixar claro qual era a posição. Isso se manteve mesmo após os apelos do presidente. Os partidos e os deputados reafirmaram essa oposição. É um gesto muito significativo. Com a firmeza que tenho visto dos partidos, acho que a PEC não será sequer aprovada na comissão.

O senhor assinou a PEC da deputada Perpétua Almeida que barra militares da ativa em cargos da administração pública. Quais as chances desta proposta andar e qual a importância das revelações da CPI neste sentido? Eu ajudei a deputada Perpétua, fizemos um esforço para pegar as assinaturas e fazer a proposta tramitar. O presidente Arthur Lira tem o compromisso de não represar as discussões. Nessa lógica, assim como instalou a comissão do voto impresso, penso que não há caminho que não seja criar a comissão especial. O cenário [para aprovação] ainda é difícil. Mas a gente não sabe o que vai sair dos próximos passos da CPI da Covid-19, lá do Senado. Temos ali uma centena de sigilos quebrados. E isso é uma bomba relógio.

Que balanço o senhor faz destes três primeiros meses da CPI? Sou próximo ao senador Omar Aziz [presidente da comissão] e dizia a ele: Omar, se o objetivo da CPI for verificar se o Bolsonaro geriu mal a pandemia, não precisa de CPI. Se não tivesse gerido mal, não tínhamos mais de 540 mil mortos, mas disse que a comissão ganharia relevância se, no decorrer das investigações, surgisse algum desvio de conduto, algum ato de corrupção. E os sinais, os indícios, são muito fortes, tanto na compra da Covaxin quanto no pedido de propina da AstraZeneca, a história do Dominguetti. E agora temos esse negócio da VTCLog.

Nos últimos dias, o ministro Barroso, do Supremo, e o presidente Arthur Lira se manifestaram favoravelmente à mudança de nosso sistema para o semipresidencialismo. Há, inclusive, uma PEC do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) a este respeito. Como o senhor vê isto? Respeito o deputado Samuel, ele é movido por valores sérios e republicanos. Topo discutir, mas sou cético. O Brasil tem uma tradição presidencialista, nossa democracia é nova e o presidencialismo de coalizão nunca impediu o governo de governar. Se você pegar as estatísticas de aprovação de matérias de interesse do governo, elas são altíssimas. O Congresso não é empecilho para quem quer governar. Nós passamos por dois impeachments e agora temos um presidente descomprometido com as instituições democráticas. Mesmo assim, nossa democracia continua pujante e de pé. Eu prefiro consolidar o modelo, aprofundar e fortalecer nossas instituições democráticas, a zerá-lo e tentar um do zero.

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