Pouca comida, estrondos e medo compõem cenário do Ramadã em Gaza

  • Por Agencia EFE
  • 09/07/2014 15h16

Saud Abu Ramadan.

Gaza, 9 jul (EFE).- Pão quase endurecido, um pouco de arroz, alguns copos de água, tâmaras e o som de mísseis, além do medo constante, compõem o cenário do Ramadã em Gaza, palco da terceira operação bélica de Israel contra o movimento islamita Hamas.

“Estamos verdadeiramente assustados e, desta vez, porque tememos que tudo se complique ainda mais. Por causa disso, eu comprei muito pão e passei a armazená-lo”, explicou à Agência Efe Mohamad Arafat, um vendedor de roupa de 38 anos e pai de quatro filhos.

Mesmo com o cansaço visível no rosto, Arafat não desanima diante de uma longa fila em frente a uma das poucas confeitarias que ainda seguem abertas no meio deste círculo de violência, pobreza, medo e resignação que Gaza vive desde que o Hamas assumiu seu controle, em 2007, e Israel levantou um cerco militar em todo seu perímetro.

Um isolamento que o Egito ajudou a completar no final do ano passado, quando decidiu destruir todos os túneis de contrabando que chegavam à Faixa e fechar a passagem fronteiriça de Rafa, sua única porta com o mundo.

Há tempos que os relatórios da ONU advertem que Gaza será um lugar “inabitável” já em 2020, tendo em vista que a escassez se juntará à contaminação da terra e à morte dos recursos hídricos, tanto subterrâneos como litorâneos.

A situação se agravou desde que a aviação e a Marinha de Guerra israelense iniciaram, na madrugada de segunda-feira para terça, uma ofensiva para deter o lançamento de foguetes, na qual já morreram cerca de 40 pessoas – a maioria de civis -, incluindo sete delas crianças.

“Aqui em Gaza não temos proteção. Eu saio da minha casa sem saber se volto. Não posso saber se vão lançar um míssil contra uma motocicleta ou contra um carro, que talvez esteja em minha rua. Eu posso morrer ou ficar ferido”, explicou Arafat.

“Tudo passa de repente. Não sabemos quando Israel vai atacar. Não há sirenes em Gaza para nos avisar e nos proteger. Só os afortunados sobrevivem”, ressaltou.

A operação começou de madrugada, quando os cidadãos locais se preparavam para o 11º dia de abstinência dos 28 que o Alcorão exige.

Quase ao mesmo tempo da primeira oração do novo dia, moradores do bairro de El Remal, a oeste da faixa, como o próprio Arafat, escutaram as primeiras explosões.

Desde então, segundo números do comando militar, as forças israelenses atacaram 31 túneis, 60 plataformas de lançamento de foguetes e 27 edifícios e posições relacionados com o Hamas, uma ação que foi articulada em resposta ao lançamento de 227 foguetes desde Gaza, dos quais 57 foram interceptados pelo escudo antimísseis.

A maior parte das ruas de Gaza está vazia, enquanto a maioria dos habitantes (1,8 milhão) que vivem fechados nesta faixa de terra litorânea passa o dia em suas casas, muitas vezes sem eletricidade e dependentes do barulho para se situar, temendo tanto os estrondos como o silêncio absoluto.

Somente nas últimas horas da tarde é possível observar as filas de homens, mulheres e crianças diante das padarias e dos poucos comércios abertos, prontos para comprarem o jantar que interrompe mais de 12 horas de jejum.

“Acabamos de escutar que duas crianças morreram quando brincavam em um terreno descampado. Ninguém pôde avisar, estamos sem proteção”, lamentou Arafat.

Alguns moradores locais que tiveram suas casas atacadas – principalmente ativistas do Hamas – admitem ter recebido chamadas das forças israelenses, que pediam para todos deixarem o local em imediato. No entanto, nem todos tiveram a sorte de receber este aviso.

“Tememos que a situação piore e que todas as padarias e todas as confeitarias se fechem. As pessoas já morrem de fome aqui pelo fechamento de Rafah e da passagem de Kerem Shalom (controlada por Israel). Tudo se esgotará, e não sabemos quando os acessos serão abertos”, queixou-se.

Khalil Kasab, de 40 anos e pai de oito filhos, decidiu ficar na casa de seu irmão, no coração de Gaza, por considerá-la menos exposta que a sua, situada ao norte.

“Minha família e eu temos medo porque não estamos protegidos. Não há sirene, e ninguém nos avisa. Todos temos a sensação de que podemos ser alvos. E isso só parece piorar”, concluiu o morador local. EFE

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