Precariedade e pobreza no auge: a tarefa pendente da “Abenomics”
Antonio Hermosín.
Tóquio, 11 abr (EFE).- Os empregos temporários e com salários baixos são cada vez mais frequentes no Japão, uma transformação que aumentou o número de pessoas em risco de pobreza até níveis recordes e tende a agravar-se pela estagnação econômica do país.
Com uma taxa de desemprego que ronda 3,5% e o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) mundial, o Japão é considerado um dos países com melhor nível de vida do planeta.
No entanto, debaixo da aparente prosperidade e do admirado crescimento japonês da segunda metade do século XX emergiram as desigualdades sociais e a lacuna se ampliou com a recente freada forte da economia japonesa.
Um de cada seis japoneses (16,1%) sofre “pobreza relativa”, segundo os últimos dados divulgados em 2014 pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar, e que medem a proporção de pessoas que vivem com rendas inferiores à média nacional.
Os grupos da população mais expostos são os jovens, as pessoas de idade avançada e, principalmente, as mães solteiras, entre as quais uma de cada duas está na “pobreza relativa”.
O número é o maior desde que em 1985 o governo começou a registrar esta estatística, e também o sexto pior dos 34 países que formam a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O aumento da pobreza no Japão “não foi repentino”, mas representa “um problema estrutural que vem há muito tempo”, disse à Agência Efe Aya Abe, diretora de estudos empíricos do Instituto Nacional de População e Seguridade Social.
“Tem a ver com o descenso gradual dos salários dos jovens e com o aumento do emprego temporário. Isso acontece desde a década de 80”, destacou a especialista em entrevista por telefone.
O número de trabalhadores de meio período e com contratos temporários praticamente se duplicou nas duas últimas décadas, até alcançar em 2014 cerca de 20 milhões de japoneses e 40% da mão-de-obra do país, segundo dados do governo.
Em muitos casos, os salários deste tipo de empregados caem abaixo da linha de pobreza, fixado no Japão em um total anual de 1,22 milhão de ienes (US$ 10.100), quantia com a qual é difícil cobrir despesas básicas como moradia e alimentação.
Kentaro Asano, um homem de 33 anos que completa seu trabalho como escritor freelancer com vários empregos de meio período como a distribuição de panfletos promocionais, supera este patamar com um salário próximo aos 170.000 ienes mensais (US$ 1.400).
Mesmo assim, decidiu abandonar o apartamento no qual vivia sozinho por não poder bancar todas as despesas e voltar a casa de seus pais, a quem paga um aluguel simbólico, segundo explicou em um simpósio organizado em fevereiro pela ONG japonesa Big Issue.
“Eu me sinto um pouco como um aproveitador. Mas se pudesse, sairia de casa dos meus pais”, declarou Asano, que lançou um blog intitulado “Saindo da pobreza” para compartilhar suas experiências com outros jovens.
O governo planeja um novo aumento do imposto do consumo para 2017 e pressionou às grandes empresas para que elevem seus salários, com o objetivo de conseguir um aumento generalizado dos preços e reativar a economia.
Muitos analistas alertaram sobre as consequências que isto poderia ter sobre os coletivos mais desfavorecidos, e assinalam a necessidade de conceder mais ajudas sociais aos grupos de risco e de flexibilizar os requisitos para obtê-las.
“Há uma grande diferença na evolução dos salários. Subiram os da faixa alta, mas não os mais baixos, e, se isto não mudar, aumentará a pobreza”, ressaltou Aya Abe.
“É um círculo vicioso, se não se aumentam os impostos, não haverá dinheiro para mais ajudas. E se não sobem os salários, a economia se estagna”, completou a especialista do Instituto Nacional de População e Seguridade Social.
O governo, liderado pelo primeiro-ministro Shinzo Abe, já cortou algumas prestações sociais no ano passado e teria que fazer malabarismos para enquadrar novas ajudas enquanto tenta reduzir sua enorme dívida pública, a maior do mundo desenvolvido.
“O futuro da pobreza no Japão dependerá do êxito da Abenomics”, concluiu Abe, em alusão à conhecida estratégia econômica do primeiro-ministro. EFE
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