Protagonistas da revolução, jovens ficam à margem das eleições na Tunísia

  • Por Agencia EFE
  • 15/10/2014 06h15

Tunísia, 15 out (EFE).- Líderes da juventude tunisiana, a verdadeira protagonista das revoltas que originaram a “Primavera Árabe”, constatam a ausência significativa desses mesmos jovens nas eleições legislativas marcadas para o próximo dia 26.

O porta-voz dos 14 líderes da mobilização social que acabou com o regime do ditador Zine Abidine Ben Ali, Rami Esgaier, atribuiu a marginalização política dos jovens ao fato de esse movimento, oriundo da sociedade civil, ter sido incapaz de criar um partido ou uma organização estruturada.

“Nosso envolvimento com a militância foi espontâneo”, e nos momentos históricos das concentrações em Kasba – lembra Esgaier – os jovens conseguiram derrubar dois governos, “sem organização, somente com a pressão da força das ruas”.

Em uma espécie de exame de consciência, Esgaier reconhece que, uma vez alcançado o objetivo de derrubar o regime de Ben Ali, os jovens se dispersaram, e os partidos políticos tomaram as rédeas da situação.

“A imprensa nos abandonou, se concentrou nos partidos, enquanto nós, “filhos da revolução”, optamos por continuar independentes ao perceber que nenhum partido nos representava de verdade, por isso agora menos de 10% dos jovens participa das listas eleitorais e nenhum dos líderes se candidatou”, afirma com seriedade o jovem de 28 anos.

Outra decepção aconteceu com os programas eleitorais dos principais partidos, de direita, esquerda, islamitas e laicos. “Slogans eleitorais foram criados sem levar em consideração as questões reais da juventude: o desemprego e a justiça social, que originaram as revoltas sociais. Esses problemas sequer aparecem nos programas políticos e não há planos concretos para combatê-los”, disse Esgaier.

De acordo com ele, outro fator que explica o distanciamento dos jovens é “nenhum partido político ser capaz de realizar uma verdadeira democracia, pois não aplicam a democracia em seu âmago”. Esgaier citou como exemplo o líder da Frente Popular de esquerda, Hama Hamami, à frente de seu partido desde 1986.

“Somos democratas, acreditamos no estado de direito, no entanto esta classe política antiga e patriarcal não é capaz de exercer a verdadeira democracia”, afirmou.

Um recente relatório do Banco Mundial e do Centro de Integração no Mediterrâneo intitulado “Superar os obstáculos à integração dos jovens” é uma das queixas dos jovens.

Produto de uma análise quantitativa de dados e extensa pesquisa, o relatório conclui que “a participação dos jovens na política continua sendo limitada, continuam atingindo altos níveis de desemprego e não são consultados sobre questões que os afetam”.

Apesar dos vários obstáculos econômicos, sociais, políticos e culturais, “o ativismo cívico e a participação dos jovens tunisianos é essencial para manter a dinâmica socioeconômica positiva e a estabilidade política do país”, declarou o diretor de operações do BM para o Magrebe, Simon Gray.

Além do desemprego, o relatório revela um “alto nível de desânimo entre os jovens”, e aponta como um dos problemas mais graves a alta porcentagem (33%, uma das maiores da África) de pessoas entre 15 e 29 anos que “não estão em um sistema educacional, de trabalho ou de formação”.

Sob a perspectiva das mulheres tunisianas, a situação não é melhor.

A ativista e advogada Hela Ben Salem, de 27 anos, disse à Agência Efe que a participação das mulheres nas candidaturas para o poder legislativo não alcança os 50% exigidos pela lei eleitoral, e apenas 12% dos participantes são mulheres.

“Embora todos os partidos tenham tentado aplicar a paridade horizontal, muito poucos aplicaram a paridade vertical”, explicou, de forma gráfica.

Para Hela, que milita na Associação Tunisiana de Mulheres Democratas e foi muito ativa nas revoltas de 2011, a verdadeira batalha das jovens feministas atualmente consiste em “estar atentas para que o Código do Estatuto Pessoal, que permitiu a modernização das tunisianas desde a década de 50, seja respeitado pelos novos governantes”.

Esse código, um compêndio da legislação sobre a família (casamento, filiação, heranças) continua sendo o mais avançado do mundo árabe.

A ativista feminista fala com certa amargura que “a única coisa” que todos os cidadãos tunisianos desfrutam depois da mudança de regime é a liberdade de expressão. EFE

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.