Putin convida para o linguado da Crimeia
José Antonio Vera.
São Petersburgo (Rússia), 24 mai (EFE).- Vladimir Putin é tão sério e frio como aparenta. Quando é perguntado sobre algo, olha fixamente nos olhos, não mostra nem uma ruga, quase não tem cabelos brancos, não faz anotações ou olha papel algum. E dá a sensação de ser mais jovem do que na realidade é.
Tudo nele parece calculado: o rigoroso tom escuro do terno e a gravata vermelha. A meia hora de espera para a reunião. A hora e meia de encontro em aberto e a hora e meia de jantar “off the record” (sem registro de entrevista). Desta última parte, só podemos comentar o menu: esturjão defumado, cigarras de mar, caviar negro e linguado da Crimeia.
Precisamente a Crimeia foi um dos nomes mais citados pelo líder russo em seu encontro com os presidentes de 12 das agências de notícias mais importantes do mundo no Palácio Constantino, em São Petersburgo. Putin disse que a Crimeia não é um território negociável, não é um caso ilegal e não vai permitir que sua atual identidade seja colocada em questão.
Putin emprega muito a negação. Por exemplo, para comentar que não sente nostalgia nem da Guerra Fria, nem da União Soviética, nem do Império Russo. Ou para reiterar que não tem em sua agenda a incorporação dos territórios do leste da Ucrânia à Rússia. Ou para garantir que não tem pensado em cortar o fornecimento de gás à Europa.
Porém, ele avisa: a política de sanções não é boa e prejudicará todos. Soa quase uma ameaça, mas Putin se encarrega de deixar claro que não quer um conflito, e que os que lhe criticam estão em seu direito de fazê-lo, embora lhe pareça sem sentido que o comparem com Hitler.
O outro nome repetido foi o da Ucrânia. Sempre que se refere ao governo daquele país, usa o qualificativo de “golpista”. Não vê que as eleições de amanhã vão resolver o conflito, e reitera até não poder mais que é em Kiev que a legalidade é vulnerável. E que o governo ucraniano não paga o gás que a Rússia fornece. Por isso, lembra que é preciso saldar as dívidas e que se isso não for feito, haverá consequências.
O político e ex-oficial da KGB também é hábil ao despistar com respostas longas reiterando a mesma coisa quando se trata de um assunto que não lhe interessa. O futebol, por exemplo. Ele não gosta muito, mas reservou elogios para o futebol espanhol: tem equipes maravilhosas, ganham tudo, tem os melhores jogadores e um belo estilo de jogo.
O presidente russo é um trabalhador stakhanovista. Neste fim de semana, foi protagonista de vários fóruns e reuniões. Na sexta-feira, ficou só diante do perigo com várias centenas de empresários de multinacionais que o fritaram em perguntas sobre a segurança jurídica na Rússia e as nuvens da Guerra Fria.
Ele responde com naturalidade e até provoca entusiasmo de boa parte de seus ouvintes quando afirma categoricamente que a Federação Russa é uma nação segura, onde as empresas que investem ganharão muitos rublos em pouco tempo.
Putin não se importou nem um pouco em aguentar a chuva de perguntas incômodas dos presidentes das principais agências do mundo, e responder sem pestanejar ao questionário mais que incômodo de um jornalista da NBC que, no primeiro dia do Fórum de São Petersburgo, questionou sua conduta, suas alianças, suas expressões e suas opiniões.
O presidente russo se apresenta à imprensa internacional sem cortejo de ministros nem assessores, exibindo-se contundente e populista. Um osso duro de roer para uma diplomacia tão difusa como a europeia e um poder hoje tão brando como o de Obama, com quem não fala “há muito tempo”. EFE
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