Putin diz que cúpula servirá para países do Brics “sincronizarem os relógios”
Líderes do Brasil, da Rússia, Índia, China e da África do Sul participam, nos próximos dias 15 e 16, da 8º Cúpula do Brics, em Goa, na Índia.
O presidente Michel Temer embarca na próxima sexta-feira (14) para o encontro.
Em entrevista exclusiva à agência de notícias Sputnik, o presidente russo Vladimir Putin falou sobre assuntos que devem ser discutidos na cúpula, como o Novo Banco de Desenvolvimento dentro do bloco econômico. Para ele, o encontro servirá para os países do bloco “sincronizarem seus relógios quanto às questões-chave da agenda internacional”.
Veja alguns trechos da entrevista de Putin à Sputnik:
Sputnik: As cúpulas do Brics já fazem parte da agenda global e se realizam regularmente. Entretanto, quase não há diferença entre as declarações finais de cada cúpula. O que deve ser feito, na opinião do senhor, para que a cooperação no âmbito do Brics se torne mais substancial, eficiente e concreta?
Vladimir Putin: O Brics é um dos elementos-chave do mundo multipolar em formação. Os participantes do “quinteto” invariavelmente reafirmam o seu apego aos princípios fundamentais do direito internacional, promovem a consolidação do papel central da ONU. Os nossos países não aceitam a política de pressão com força e de abalo da soberania de outros Estados. Temos abordagens parecidas aos problemas internacionais atuais – inclusive, quanto à crise na Síria, sobre regularização no Médio Oriente.
Tradicionalmente, as declarações dos líderes do Brics fixam à base de unanimidade das abordagens de princípio sobre um amplo leque de questões, definem os objetivos do desenvolvimento do “quinteto” para um futuro próximo, que são ponto de referência para os seguintes passos dirigidos à consolidação da parceria estratégica entre os nossos países em várias áreas.Por isso, nas declarações finais das cúpulas – a reunião em Goa não será uma exceção – reafirma-se o nosso compromisso comum no que se refere aos princípios fundamentais da comunicação interestatal, em primeiro lugar, quanto ao respeito do direito internacional com o papel coordenador central da ONU. No contexto das tentativas de uma série de países ocidentais estarem impondo as suas abordagens unilaterais, tal posição adquire um significado especial.
Quanto ao preenchimento prático da interação no âmbito do “quinteto”, gostaria de fazer uma observação. Atualmente, no Brics, existem mais de 30 formatos interministeriais de cooperação no domínio político, econômico, humanitário, de segurança e policial.
O exemplo concreto da interação é a criação do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas do Brics com o capital total de US$ 200 bilhões. Estou convencido de que com o processo da criação do banco, o rendimento prático das suas atividades só aumentará, inclusive por conta dos projetos que promovem a integração entre os países do Brics. Este ano, começaram os trabalhos do Novo Banco de Desenvolvimento, que aprovou os primeiros projetos em todos os países do “quinteto”. Na Rússia, serão construídas pequenas usinas hidrelétricas na Carélia com potência de 50 MW, que custarão US$ 100 milhões para construção.
Os nossos países interagem ativamente no âmbito do G20, inclusive durante a presidência chinesa em curso. Assim, os países do Brics assumiram o compromisso de cumprir o Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros. Desejamos trabalhar sistematicamente no sentido da aproximação das posições na OMC (Organização Mundial do Comércio) a fim de aperfeiçoar as regras e incentivar as negociações no âmbito da organização. Por isso, acredito que a cooperação dentro do Brics já começou a ter resultados práticos. É necessário continuar a consolidá-los e procurar áreas de interesse mútuo para os países do “quinteto”.
A agenda da cúpula em Goa inclui o exame dos primeiros resultados da execução da Estratégia para uma Parceria Econômica do Brics, adotada em Ufá, o aperfeiçoamento do projeto no roteiro da cooperação econômico-comercial e de investimentos dos países do Brics para até 2020. Planejamos criar novos formatos e mecanismos de cooperação com os parceiros, no âmbito dos quais serão elaboradas medidas coordenadas para o desenvolvimento dos laços em várias áreas. Com isso, permanecerão no foco as questões relacionadas com o reforço da segurança internacional e estabilidade, o fortalecimento da competitividade das nossas economias, a promoção do desenvolvimento internacional.
Apoiamos também as iniciativas da presidência indiana em tais áreas como a interação dos países do Brics na esfera da agricultura, transporte ferroviário, esporte, turismo e contatos pessoais diretos.
Sputnik: Que propostas o senhor vai apresentar e quais são as expectativas ligadas à Cúpula do Brics? Na opinião do senhor, quais resultados serão alcançados através do trabalho conjunto dos participantes? Que projetos, além do Novo Banco de Desenvolvimento, poderiam comprovar a utilidade deste formato de interação?
Vladimir Putin: Antes de qualquer coisa, queria expressar a minha gratidão às autoridades indianas que no âmbito da presidência da Índia no Brics, constantemente, dão atenção ao aprofundamento e à consolidação da parceria estratégica no grupo. Tenho certeza de que a cúpula em Goa, que será realizada sob o lema de continuidade e inovações, dará frutos.
Este encontro é uma boa oportunidade para os líderes do “quinteto” “sincronizarem seus relógios” quanto às questões-chave da agenda internacional. Estamos decididos a cooperar na área de combate ao terrorismo, luta contra tráfego de drogas e corrupção. Conjuntamente, desejamos contribuir para resolução de conflitos, segurança de informação internacional. Todos nós estamos preocupados com a persistente instabilidade na economia mundial. Junto com os parceiros, deliberaremos o que é possível fazer para consolidar futuramente os nossos esforços frente a estes desafios.
Esperamos que a cúpula do Brics em Goa abra novas oportunidades para atividades nas vertentes econômica e humanitária.
Sem dúvida, serão abordados os temas relacionados à concessão de créditos para os projetos do Novo Banco de Desenvolvimento, o início do pleno funcionamento do Arranjo Contingente de Reservas do Brics. Trata-se de troca de opiniões sobre o trabalho que está sendo realizado pelos Altos Representantes Responsáveis pelos Assuntos de Segurança, no decorrer das reuniões especializadas ministeriais, formatos de interação periciais, pela Universidade em Rede do Brics e pelo Conselho Empresarial. Atualmente, por exemplo, foram concluídos os preparativos para a assinatura dos memorandos sobre a cooperação entre os serviços alfandegários, as academias diplomáticas dos nossos países, bem como sobre a criação de uma plataforma para as pesquisas agrícolas do Brics.
Estamos gratos aos nossos parceiros indianos por assegurar a continuidade da agenda do Brics de acordo com os resultados da cúpula de Ufá, realizada na Rússia, em julho de 2015. A Declaração de Ufá e o Plano de Ação, adotados lá, começaram a tornar-se realidade. Os parceiros indianos também propuseram uma série de iniciativas que pretendemos analisá-las no decorrer da cúpula.
No que se refere às propostas concretas da Rússia para a cúpula em Goa, é de lembrar que, durante a nossa presidência, foi adotada a Estratégia para uma Parceria Econômica que abrange as áreas promissoras da cooperação entre os países do “quinteto”. Agora está sendo elaborado o Plano de Ação para executá-la. A parte russa propôs mais de 60 projetos, uma espécie de roteiro, que poderiam ser implementados junto com os parceiros do Brics (com um deles ou com todos). Acho que se nós pudermos conjuntamente determinar parceiros para a realização dos projetos mencionados, isso seria um passo importantíssimo no processo de modernização das economias dos nossos países.
A Rússia também está a favor do início da cooperação na área do comércio virtual (a análise de principais barreiras entre os países nesta área, a elaboração de melhores práticas de regulamento etc.), da facilitação dos procedimentos comerciais (junto com a Comissão Econômica Eurasiática), do apoio ao empreendedorismo pequeno e médio (lançamento de webportal para as empresas pequenas e médias dos países), da proteção da propriedade intelectual.
Sputnik: Frequentemente o senhor fala sobre a necessidade de conectar os processos de integração, em particular a União Econômica Euroasiática e o Cinturão Econômico da Rota da Seda. Como seria possível usar o formato atual do Brics para realizar tais iniciativas?
Vladimir Putin: A situação econômica e financeira mundial continua complicada, ainda não foram superadas as consequências da crise financeira global. É de lamentar que, neste contexto, alguns países procurem resolver os problemas acumulados através das medidas protecionistas, tentativas de criar tais projetos fechados e não transparentes como o Acordo de Parceria Transpacífico ou o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento. A Rússia, bem como os nossos parceiros do Brics, permanece fiel à formação dos espaços econômicos abertos, de caráter não discriminatório e baseados nos princípios da OMC.
É de lembrar que em 9 de julho de 2015, em Ufá, foi realizada a reunião no formato “outreach” com participação dos líderes dos países-membros da União Econômica Euroasiática, da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) e dos países-observadores da OCX. Em particular, durante essa reunião, foi discutida a questão de conexão entre os grandes projetos de infraestrutura de escala regional e trans-regional.
Neste contexto, nós propusemos a ideia da conexão entre a construção da União Econômica Euroasiática e a do Cinturão Econômico da Rota da Seda. No futuro, esse processo poderia servir como base para criação da grande parceria euroasiática com a participação de amplo leque de países que fazem parte da União Econômica Euroasiática, da OCX e da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean). Partimos da ideia de que essa parceria seria aberta para a adesão de todos os países interessados e seria construída levando em consideração os princípios de transparência e respeito mútuo. O potencial da cooperação dos países do Brics também pode ser utilizado para a realização dessa iniciativa. Esperamos que a Índia, que demonstra grande interesse, apoie a nossa proposta.
Estamos convencidos de que esse tema continuará a ser discutido em Goa, durante a reunião dos líderes dos países do Brics e do bloco regional Bimstec.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.