Reajuste do Bolsa Família abaixo da inflação compromete renda frágil de famílias mais pobres

  • Por Agência Estado
  • 10/01/2016 09h57
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BIE - Banco de imagens externas - Está pronto para ser votado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) projeto de lei que visa a incentivar a contratação de beneficiários do Bolsa Família por empresas. De autoria do senador licenciado Alvaro Dias (PSDB-PR), a matéria tem parecer favorável, com uma emenda, do relator, senador Ciro Nogueira (PP-PI). O Projeto de Lei do Senado (PLS) 433/2008 permite que a pessoa jurídica que contratar beneficiário do Programa Bolsa Família possa deduzir valor equivalente ao benefício do Bolsa Família da contribuição patronal devida à Seguridade Social. A proposição também prevê que, necessariamente, o empregado tenha o benefício suspenso durante todo o período em que durar seu vínculo com a empresa. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado Jefferson Rudy/ Agência Senado Cartão do Bolsa Família

A previsão de um reajuste abaixo da inflação de 2015 para o programa Bolsa Família neste ano deverá ter um impacto direto na renda das residências mais pobres do Brasil. Considerado o gasto efetivo do ano passado, de R$ 27,7 bilhões, e o orçamento para o programa deste ano, de R$ 28,1 bilhões, o máximo reajuste possível para o benefício será de 1,4%. Sem especificar números, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) divulgou na semana passada que haverá R$ 1 bilhão a mais para o programa em 2016, o que permitiria uma correção maior, de até 3,7%. Ainda assim, o porcentual ficará bem abaixo do IPCA, índice de inflação oficial do País, que ficou em 10,67% no ano passado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Durante uma década, o orçamento do Bolsa Família cresceu consistentemente acima da inflação, mas a situação se inverteu desde o ano passado, quando o total liberado para o programa subiu só 1,8% em relação a 2014. “O Bolsa Família impacta bastante o consumo e a vida de seus beneficiários, que possuem renda extremamente baixa. Entretanto, o valor desembolsado tem baixa representatividade. Corresponde a aproximadamente 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro”, afirma Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Segundo o instituto, 50% dos pagamentos são feitos na região Nordeste do País, que concentra 6,9 milhões do total de 13,9 milhões de beneficiários.

Diante do perfil dos beneficiários, a perda do poder de compra do Bolsa Família deverá impactar justamente a camada mais carente da população. Em 2014, a consultoria Plano CDE, especializada na base da pirâmide, realizou um estudo que subdividiu beneficiários do programa em quatro categorias sociais distintas. Segundo o sócio-diretor da Plano CDE, Maurício de Almeida Prado, o Bolsa Família representava 23% do rendimento doméstico total do mais pobre dos quatro grupos. “O Bolsa Família garante a recorrência de renda para as famílias mais pobres. Nos meses em que o trabalho é escasso, pois a informalidade é alta entre essa população, é o benefício que coloca a comida na mesa”, diz o especialista.

Renda frágil

Com a crise econômica e o consequente aumento do desemprego, a tendência é que as famílias fiquem mais dependentes do programa. Em Cajamar, uma das cidades paulistas que mais dependem do programa em termos relativos (o município recebe R$ 156 por habitante, contra a média estadual de R$ 56, conforme dados oficiais de repasses do benefício e população), o Estado de S. Paulo encontrou duas famílias que hoje sobrevivem graças ao Bolsa Família.

Morador da comunidade Km 42, área de invasão que fica na beira da estrada que dá acesso a Cajamar, o pedreiro Cosme Costa dos Santos, 25 anos, perdeu o emprego com carteira assinada em novembro, que lhe pagava um salário líquido de R$ 1,3 mil. “Foi culpa da crise. A empresa disse que não tem mais obra”, explica Cosme. Na semana passada, ele deu entrada na papelada do seguro-desemprego, que deve começar a ser pago em fevereiro. Em janeiro, porém, a única renda constante da família foi o Bolsa Família.

A esposa de Cosme, Tatiana Aparecida Martins, 35 anos, está grávida de sete meses. O pequeno Isaac é esperado para o fim de março. Será o primeiro filho biológico dele e o quinto dela – viúva de um primeiro casamento, Tatiana tem duas filhas adultas (de 20 e 18 anos) e também um casal de gêmeos de 8 anos. Ela se cadastrou no programa há seis anos e hoje recebe R$ 380 mensais. Como a renda da família caiu muito desde que o marido perdeu o emprego, Tatiana decretou o fim de todos os supérfluos. “Não estamos fazendo mais dívidas para comprar eletrodomésticos”, diz a dona de casa. “Com R$ 400, hoje você vai no mercado e consegue carregar toda a compra para casa. As sacolas nem ficam pesadas “

Em outra região de Cajamar, no bairro Jordanésia, o Bolsa Família também é a única renda da residência comandada por Dalva Aparecida Ochini. O marido dela, que também é pedreiro, hoje depende de bicos. Os R$ 300 do Bolsa Família precisam ser suficientes para o sustento dos três filhos do segundo casamento de Dalva – DeJuan Carlos, 11 anos, é o mais jovem – e da irmã Creusa, que também vive na casa herdada pelos pais de ambas.

Um novo membro da família – um neto recém-nascido – já foi incluído no programa pela avó. Mas o valor recebido não sofreu reajuste, segundo a dona de casa. “Continuo recebendo R$ 300, mas a minha filha tira os R$ 35 do bebê. E eu falo para ela: com esse valor, você pode comprar um pacote de fraldas num mês e uma lata de noite no outro.” Sem perspectiva de aumento de renda, Dalva diz que todos os projetos – incluindo uma pequena reforma na casa, para o conserto de goteiras – foram abandonados. “Quando chove, tenho de cobrir meus móveis”, conta.

“Sobe e desce”

Como a renda varia muito de um mês para o outro, boa parte dos beneficiários do Bolsa Família vive em uma espécie de “gangorra social”, segundo a consultoria Plano CDE. Um indivíduo da classe D pode passar para a classe E conforme a variação dos ganhos dos “bicos” em um determinado mês. É por isso, segundo André Torretta, fundador da A Ponte Estratégia, outra consultoria especializada na baixa renda, que uma perda real no benefício, mesmo que pequena, pode fazer muita diferença na vida desse público. “Para o contingente mais pobre, R$ 20 podem ser equivalentes a três dias de alimentação.”

Trabalhando há mais de uma década com projetos envolvendo as classes C e D, Torretta diz que a informação sobre o fim da bonança econômica dos últimos dez anos ainda não foi totalmente absorvida pela população de baixa renda. Para ele, esse é um processo que deve durar cerca de cinco anos. Ao fim deste prazo, explica ele, as conquistas dos tempos de vacas gordas – como os eletrodomésticos – chegarão ao fim da vida útil. “Hoje, essas famílias já estão apertando o cinto, mas, em relação à extensão da crise, a ficha não caiu totalmente.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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