Relatório da PF revela que cúpula da Samarco sabia de problemas em represa
![Fred Loureiro/Secom-ES](https://jpimg.com.br/uploads/2017/04/4267356745-encontro-da-lama-da-samarco-com-aguas-do-oceano.jpg)
Uma troca de mensagens captadas pelo sistema interno de comunicação da Samarco entre o presidente da empresa à época do rompimento da Barragem de Fundão, Ricardo Vescovi, e diretores da companhia mostra que a cúpula da mineradora não só foi informada de problemas com a represa como articulava estratégias para lidar com a precariedade da estrutura. A reportagem teve acesso à transcrição, feita com autorização judicial e presente no relatório final da Polícia Federal sobre a tragédia, ocorrida em 5 de novembro passado, e que deixou 18 mortos e 1 desaparecido.
Nos diálogos, Vescovi força a produção de informações para esconder problemas com Fundão. Ao saber de trincas na estrutura, em agosto de 2014, mais de um ano antes do desastre, o presidente diz: “O quê? Ai, ai, ai”. Os áudios foram obtidos pelos delegados em busca e apreensão nas plantas da Samarco nas cidades de Mariana (MG) e Anchieta (ES).
Em depoimento à PF, ao ser indagado se, durante sua gestão, teria chegado ao seu conhecimento algum relato de problema na barragem, Vescovi respondeu que “não”. “Estas questões técnicas eram tratadas na área específica, dentro da diretoria de operações e nas gerências desses departamentos”, relatou, reforçando que “nunca chegou ao conhecimento do declarante qualquer notícia sobre problemas na estabilidade”.
As mensagens incluem assuntos que passeiam por vários anos de atividades da Samarco, a barragem é de 2008. Uma conversação, datada em 2011, já trata da confiabilidade de Fundão. Em bilhete enviado pelo presidente da Samarco à diretora de Geotecnia da empresa, Daviely Rodrigues Silva, em conversa sobre o FMEA (sigla em inglês para Failure Mode and Effect Analysis, a análise da confiabilidade de uma estrutura, no caso, a própria Fundão), o executivo indaga se “mudou a probabilidade (de acontecer algum problema) ou apenas a severidade (a rigidez a estrutura)?”, “acho esse ponto o mais relevante de todos, pois é o meio de mostrarmos que as coisas não pioraram, apenas estamos sendo mais críticos na avaliação de severidade.” A gravação foi feita no dia 27 de julho de 2011, às 23h58, e é uma resposta a um posicionamento técnico sobre a construção enviado por Daviely. O FMEA é feito periodicamente como forma de acompanhar as condições físicas de barragens.
Em seguida, o empresário diz que “vale a pena abordarmos, em documento, algo que corrobore com uma baixa probabilidade de um evento como, por exemplo, o FMEA, além da própria opinião do ITBR (comitê interno formado por empregados da Samarco e também especialistas externos contratados pela empresa para avaliar as estruturas de obras, com reuniões a cada quatro meses)”. O texto a que o presidente se refere é o relatório Health and Safety and Operations Performance (Saúde e Segurança e Performance das Operações) das construções relacionadas à companhia.
O getsor foi, então, informado sobre as trincas na barragem. Durante troca de mensagens com o então diretor de Operações da Samarco, Kleber Terra, também interceptada pela PF, no dia 29 de agosto de 2014, iniciada às 15h56, Terra diz: “Em Fundão apareceram umas trincas no maciço onde desviamos o eixo”. Vescovi responde: “O quê??? Ai, ai, ai… Fica esperto”.
O diretor afirma que tudo está “controlado” e o presidente pergunta sobre as características do problema, “que tipo de trinca? Só no maciço ou conecta com o interior da barragem?”. Terra responde, “só no maciço. O ITRB, na última reunião, já havia falado que teremos de fazer uma drenagem intermediária no maciço. Com o alargamento da boca do vale, o tapete drenante anterior não pega todo o maciço no topo”. O maciço é a parte da frente da represa, a face. O tapete drenante fica embaixo dessa estrutura.
A reporatgem procurou Vescovi. Em e-mail enviado pela Samarco à reportagem, o advogado dele, Paulo Freitas Ribeiro, ponderou, por meio de nota, que “o relatório de investigação da Polícia Federal constitui documento provisório, emitido a partir de entendimento unilateral”, “Rcardo Vescovi jamais recebeu qualquer aviso ou alerta sobre um eventual comprometimento da segurança da Barragem do Fundão e tampouco tentou esconder informações de qualquer sorte. Pelo contrário, as informações que recebeu sobre incidentes naturais da operação indicavam que a barragem se encontrava rigorosamente dentro dos padrões de segurança, conclusão alçada por diversos especialistas.”
“Firme?”
O relatório das autoridades mostra ainda mensagens entre Terra e Germano Silva Lopes, gerente geral de Projetos da Samarco. Às 11h36 de 4 de setembro de 2014, uma semana, portanto, depois da conversa com Vescovi, ele pergunta para Germano: “E Fundão… Firme?” O diretor faz observações técnicas sobre a represa e afirma que “os instrumentos e monitoramento mostram pouquíssima variação e nos dá garantia que as trincas não evoluíram e o talude está estável”. Terra retorna: “Ótimo… Vc continua resp. tec (você continua responsável técnico) fica esperto…”, já Germano ressalta que fará “uma inspeção mensal na rotina”.
Próximo passo
Vescovi, Daviely, Terra e Germano, além de outros dois integrantes do alto escalão da empresa e um gerente da Vale, controladora da mineradora juntamente com a BHP Billiton, além de um engenheiro da VogBR, prestadora de consultoria para as obras, foram indiciados pela Polícia Federal por crime ambiental. No caso da Samarco, em janeiro desse ano, todos foram afastados. O relatório será enviado ao Ministério Público.
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