Relatório sobre massacre de islamitas no Egito deixa brechas para dúvidas

  • Por Agencia EFE
  • 20/03/2014 17h44

Edu Marín.

Cairo, 19 mar (EFE).- O recente relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) sobre o despejo dos manifestantes islamitas no Egito em agosto de 2013 não tirou todas as dúvidas sobre o número de vítimas nem sobre o grau de violência da intervenção policial.

O documento numerou em 632 a quantidade total de mortos em 14 de agosto de 2013, quando aconteceu o desmantelamento das praças de Rabea Al Adauiya e Al-Nahda. Lá estavam concentrados milhares de islamitas para pedir a volta do presidente egípcio, Mohammed Mursi, que tinha sido derrubado por um golpe militar em 3 de julho do mesmo ano.

A Aliança para a defesa da Legitimidade, composta pela Irmandade Muçulmana e outras organizações islamitas, elevou ontem o número para 1.182 mortos.

“Nenhum destes dois números é correto, porque só incluem os mortos registrados oficialmente”, disse à Agência Efe um porta-voz da Irmandade Muçulmana, que preferiu não se identificar.

“A quantidade real é de 2.600 mortos até às 16h de 14 de agosto, depois dessa hora não conseguimos contar mais”, afirma o representante da Irmandade, que classifica o relatório de “tendencioso e parcial”.

A advogada Ragia Omran, que participou da elaboração do relatório, sustenta que a polícia fez “uso excessivo da força e disparou de maneira desproporcional”.

Da mesma forma que reflete o documento, Ragia acrescenta que a polícia começou a utilizar armas de fogo em resposta aos disparos vindos de grupos armados de dentro da concentração.

No entanto, o porta-voz da confraria considera que “este regime é capaz de ter infiltrado pessoas para gravá-la disparando contra a polícia e, assim, ter um pretexto para atuar de forma violenta”.

“Com todos os meios que a polícia dispõe, poderia ter matado somente homens armados e ter deixado sair o resto das pessoas”.

Por sua vez, o porta-voz do Ministério do Interior, Hani Abdel Latif, em conversa com à Agência Efe negou estas acusações e qualificou a intervenção policial de “maravilhosa e profissional”, além de afirmar que “as forças de segurança nunca dispararam contra civis”. Esta versão não pôde ser comprovada pelo CNDH, já que o Ministério do Interior nunca entregou uma cópia do plano de dispersão, segundo o governo, por razões jurídicas e de segurança.

O conhecido ativista e diretor da Rede Árabe para a Informação sobre Direitos Humanos, Gamal Eid também acredita que falta clareza.

“A Irmandade Muçulmana também cometeu delitos, mas não podem ser comparados ao que fez o Ministério do Interior, e para isso basta perguntar às vítimas”, afirmou Eid.

Apesar de o CNDH criticar de certo modo a atuação policial, coincide com o governo em que o exército não participou do violento despejo.

O representante da Irmandade Muçulmana não concorda. Ele defende que “o exército tinha franco-atiradores que disparavam contra as pessoas”, o que desmente, em sua opinião, a versão dos membros do CNDH.

Ragia afirma que o CNDH propôs a membros da confraria que estiveram presentes em Rabea Al Adauiya a possibilidade de oferecer sua versão no relatório, mas todos os que convidados rejeitaram.

O porta-voz islamita discorda: “Sabemos que nossa opinião não seria levada em conta, porque este Conselho foi designou o exército”.

O presidente interino egípcio, Adly Mansour, ordenou hoje uma investigação judicial independente sobre o ocorrido na capital egípcia e em outras províncias naquele dia, por isso remeteu ao Ministério da Justiça o relatório do CNDH.

A Irmandade Muçulmana garantiu ter entrado em contato com especialistas legais e ativistas de direitos humanos para apresentar uma denúncia perante a Justiça internacional, já que, segundo afirmou seu porta-voz, perante os tribunais egípcios é impossível porque muitos juízes têm ligações com o exército.

Mais de sete meses depois, um Egito imerso em processo de regeneração da imagem do exército e de marginalização da Irmandade Muçulmana, aos que declarou “organização terrorista”, deixa zonas de sombra sobre o que realmente aconteceu em 14 de agosto de 2013.

“Qual é o valor deste relatório se todo o mundo sabe que ninguém será processado?”, se pergunta o porta-voz islamita. “É Tudo uma farsa”.

Eid afirma ainda ter dúvidas a respeito e acredita que este relatório é de uma tentativa de esconder um crime cujos autores tentam fugir da possível condenação.

“O ocorrido em Rabea (al Adauiya) é um crime contra a humanidade e é preciso castigar os que cometeram esse delito”, conclui Eid. EFE

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