Ruanda, 20 anos depois: mão de ferro e desenvolvimento para superar genocídio

  • Por Agencia EFE
  • 03/04/2014 18h24

Desirée García.

Nairóbi, 3 abr (EFE).- Ruanda, o país que há 20 anos viveu um dos piores genocídios da história, conseguiu superar o estigma por meio de um regime implacável com a dissidência e as liberdades individuais, mas articulador do grande crescimento econômico do país.

Em apenas cem dias de 1994, 800 mil pessoas morreram no pequeno país africano, segundo os números da ONU. O massacre exterminou entre 20% e 40% da população do país considerado então o mais densamente habitado da África, com sete milhões de habitantes.

A morte do presidente ruandês, Juvénal Habyarimana, em 6 de abril de 1994, quando o avião em que viajava foi derrubado pouco antes de aterrissar no aeroporto de Kigali, fez explodir o massacre iniciado por hutus radicais e que matou 70% de tutsis.

Após o genocídio, que também vitimou vários hutus moderados, a Frente Patriótica de Ruanda (RPF), milícia que na época o atual presidente, Paul Kagame, liderava, tomou o controle do país. Uma investigação francesa o culpou em 2006 pela morte de Habyarimana, embora ele sempre tenha negado o crime.

“Salvador” de Ruanda para alguns e repressor autoritário para outros, Kagame costuma receber elogios por ter estabilizado a nação e conseguido cicatrizar uma ferida tão sangrenta.

O presidente, um tutsi que cresceu refugiado em Uganda, é o criador da nova identidade ruandesa forjada nas últimas duas décadas sobre pilares legais, judiciais e culturais que fragilmente reconciliaram etnias inimigas.

A Comissão de União Nacional e Reconciliação institucionalizou a anistia, enquanto tribunais tradicionais conhecidos como “Gacaca” realizaram até 2012 mais de um milhão de julgamentos contra os acusados de realizar todo tipo de crime, exceto o de planejar o extermínio.

Para julgar os maiores genocidas, a ONU criou o Tribunal Internacional para Ruanda, sediado em Arusha (na Tanzânia), que processou 92 pessoas por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, e condenou 49.

O regime de Kagame, no poder desde 2000, também promoveu a transição da economia de um modelo agrário a outro baseado no setor de serviços e conhecimento.

“Ruanda teve um processo de desenvolvimento impressionante desde o genocídio e a guerra civil de 1994”, ressaltou o Banco Mundial em seu último relatório sobre o país, que entre 2001 e 2012 cresceu 8,1% por ano e conseguiu reduzir a pobreza em 14%, além de diminuir a desigualdade a partir de 2005.

A robusta economia ruandesa e a qualidade dos serviços públicos, excepcionais na região dos Grandes Lagos, são os redutos de Kagame diante da comunidade internacional, que raramente se lembra das sombras de seu mandato no campo dos direitos humanos.

De acordo com organizações como Human Rights Watch (HRW) e Anistia Internacional (AI), o governo amordaça as liberdades de expressão e associação, bloqueia os partidos da oposição, persegue organizações independentes da sociedade civil e ameaça seus críticos.

O RPF ganhou as eleições parlamentares de setembro com 76% dos votos, disputa em que os únicos partidos concorrentes apoiavam abertamente a legenda de Kagame.

O líder dominou facilmente a corrida eleitoral, aonde alguns dos principais líderes da oposição estavam na prisão, entre eles a hutu Victoire Ingabire, das Forças Democráticas Unidas (FDU) e acusada de terrorismo e de “negação do genocídio”.

Os dissidentes políticos são as principais vítimas de um regime cujos tentáculos ultrapassam as fronteiras de Ruanda.

Em janeiro, o ex-chefe dos serviços de inteligência ruandeses, Patrick Karegeya, foi estrangulado em um hotel de Johanesburgo.

Também na África do Sul, em março, um ex-chefe do exército ruandês sobreviveu a uma terceira tentativa de assassinato, e meses antes vários exilados foram sequestrados em Uganda em circunstâncias estranhas.

A sombra do genocídio de 1994 alcançou também a República Democrática do Congo (RDC), que durante décadas viveu um conflito no leste do país e foi refúgio de hutus que saíram de Ruanda quando o RPF chegava a Kigali.

Desde então, a administração tutsi de Kagame tentou forçar a saída dos grupos hutus, dizem os analistas.

As acusações a Ruanda de ter dado apoio militar ao grupo rebelde tutsi M23 na República Democrática do Congo foram respaldadas por organizações internacionais e levaram alguns dos países doadores a retirar a ajuda, embora o regime ruandês tivesse negado que apoiou os insurgentes.

Apesar das tensões latentes, Ruanda lembrará oficialmente o 20º aniversário do genocídio no próximo dia 7, quando o próprio Kagame acenderá a Tocha Nacional de Luto, e com uma vigília noturna no estádio Amahoro de Kigali, que serviu de refúgio para 12 mil tutsis durante o massacre. EFE

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