Tatuagens mágicas saem do esquecimento no Camboja

  • Por Agencia EFE
  • 21/09/2015 13h21
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Ricardo Pérez-Solero.

Siem Reap (Camboja), 21 set (EFE).- Um diagrama gravado na pele pode proporcionar sucesso nos negócios e no amor, ou proteger das balas na guerra, sempre que são cumpridas as regras dos “sak yant”, as tatuagens mágicas no sudeste asiático.

Em Siem Riep, no oeste do Camboja e perto dos lendários templos khmeres de Angkor, Tevent Say, o mestre da tatuagem e das artes marciais cambojanas “bokator”, fundou ano passado uma federação para compartilhar e preservar o conhecimento desta prática milenar.

Tevent Say tem 28 anos, e como outros jovens no Camboja se dedicou a estudar a tradição dessas tatuagens místicas, perdida em grande medida durante o regime do Khmer Vermelho na década de 70, quando a maioria dos professores morreram ou fugiram do país.

“Os khmeres vermelhos não puderam acabar com todos eles porque se esconderam, nessa época acreditavam totalmente nas tatuagens, e isso os ajudou”, contou o jovem cambojano à Agência Efe no ginásio em que tatua os que buscam seus serviços.

O grupo comunista perseguiu dissidentes, monges, artistas e intelectuais em busca de uma utopia agrária que causou a morte de um quarto da população entre 1975 e 1979.

No entanto, o interesse das novas gerações e a volta de muitos dos que emigraram está ajudando a fazer ressurgir o interesse por aprender esta tradição, que também existe na Tailândia, Mianmar, Laos, e em partes do Vietnã e do sul da China.

Tevent Say contou ter aprendido com três professores diferentes, um monge, um asceta e um sábio ancião, que marcaram seu corpo com figuras de deuses e caracteres em khmer, e com caligrafias litúrgicas em sânscrito e pali.

Alguns acadêmicos que estudam este fenômeno não puderam corroborar a linhagem dos poucos professores reconhecidos que praticam este ritual no Camboja, já que não existem registros documentados.

Quanto às tatuagens, sua origem remonta há milhares de anos.

Angela Mai, historiadora especializada nas tatuagens “sak yant”, explicou que os desenhos atuais surgiram durante o império khmer, que compreendeu grande parte do sudeste asiático continental entre os séculos IX e XV.

Durante a hegemonia do império, o budismo da ramo Theravada prevaleceu como religião de estado e desbancou o hinduísmo.

“Existem evidências de alguns relevos de Angkor de guerreiros que têm o que parece ser yantras em seu corpo, que remontam ao século XI, mas estas imagens existiram há milhares de anos”, indicou a historiadora.

Os “yantras” são desenhos geométricos indianos com conotações espirituais e mágicas que junto com o hinduísmo, o budismo e o animismo fazem parte das influências dos “sak yant”.

No ginásio de Siem Reap, Tevent Say se nega a revelar alguns dos segredos das tatuagens porque pensa que “alguns vão querer utilizá-las para propósitos ruins”, mas aceitar explicar algumas das normas.

Uma delas é seguir as cinco regras principais do budismo, entre elas não matar, não roubar e evitar más condutas sexuais, para que a tatuagem mantenha o poder, além de outras pautas específicas que os professores podem acrescentar.

“Tanto faz serem budistas, cristãos ou muçulmanos, se a regra é boa deve ser obedecida”, afirmou Tevent Say.

Outro requisito costuma ser que o “sak yant” seja abençoado por um monge budista, que em muitos casos é quem realiza a tatuagem, em um ritual que termina literalmente com a magia sendo soprada nos sulcos marcados sobre a pele.

Um dos aprendizes do centro de artes marciais, Siim Sotun, conseguiu várias medalhas em campeonatos de “bokator” e exibe em seus ombros e punhos tatuagens que os fazem se “sentir mais poderoso”.

Esta fé é, segundo Tevent Say, o que dá força ao “sak yant”, já que “são necessárias duas coisas, o poder da tatuagem e a crença da pessoa”. EFE

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