Caso de cliente do Nubank e Banco do Brasil assaltado viraliza e mostra que redes sociais podem se tornar SAC

Marcas correm risco de serem desvalorizadas quando consumidores mostram que foram mal atendidos em canais tradicionais

  • Por Luis Filipe Santos
  • 15/05/2022 14h00
Reprodução/Nubank Cartão do Nubank Caça-talentos teve dificuldade para receber devolução de mais de R$ 100 mil tirados de suas contas no Nubank e no Banco do Brasil

O caça-talentos Bruno de Paula teve o celular roubado enquanto estava com a tela desbloqueada, em um semáforo na zona norte de São Paulo, no último dia 29 de abril. Apesar de De Paula ter tentado bloquear o aparelho com ajuda da operadora Claro, os criminosos conseguiram usar o celular, entrar nos aplicativos do Nubank e do Banco do Brasil e realizar transferências de milhares de reais. A partir de então, começou a busca de Bruno para receber os valores de volta, apesar de muita dificuldade em lidar com os serviços de atendimento ao consumidor de ambas as instituições financeiras. Bruno decidiu relatar os casos no Twitter e rapidamente viralizou: o primeiro post de um longo fio no qual relata o caso obteve 44 mil compartilhamentos e 157 mil curtidas. Somente após a visibilidade na rede social, o caça-talentos conseguiu as devoluções. O caso mostra a utilidade das redes sociais como serviço de atendimento ao consumidor quando os canais tradicionais falham, sendo capaz até de transbordar para casos parecidos.

A influencer Mônica Majima por exemplo, acredita ter conseguido auxilio graças ao ocorrido com De Paula. À Jovem Pan, ela contou ter passado por situação parecida. “Eu estava dentro do carro, com os vidros fechados, parada por causa do semáforo vermelho. De repente, um desconhecido quebrou o vidro da porta anterior do passageiro e no mesmo impulso da batida no vidro, já adentrou no carro e roubou o meu aparelho celular que estava no suporte de aparelho celular e em seguida já saiu correndo. Quando cheguei na delegacia para realização do BO, consegui usar o telefone de lá para entrar em contato com o Nubank, enquanto minha irmã tentava bloquear meu aplicativo do Banco do Brasil ligando pra eles também. Ao ligar, ambos os bancos conseguiram realizar as solicitações: o Nubank desvinculou meu aplicativo do celular roubado e o Banco do Brasil disse que bloquearia o acesso ao aplicativo. Entretanto, em ambas as contas, já haviam sido feitas transações”, conta Majima.

Ela relata que só conseguiu o reembolso em uma das instituições depois de tornar público o problema. “Após mandar todos os documentos necessários para a contestação das transferências e postar um vídeo nas redes sociais, o Nubank entrou em contato pelo Instagram e também respondeu meus e-mails, dando continuidade à análise de contestação e, por fim, me ressarciram. Já no caso do Banco do Brasil, durante o final de semana não consegui contato por telefone, pois, ao discar o número do cartão e agência da conta no atendimento automático, eles não eram reconhecidos, e a continuidade do atendimento ficava impossibilitada. Ademais, também não há e-mails disponíveis para conseguir entrar em contato com o banco. Tive que ir na agência, fazer um pedido de contestação e sigo esperando resposta”, completa. Segundo ela, após postar sobre o ocorrido, diversos seguidores lhe informaram do caso de Bruno. Após o ressarcimento, ela agradeceu ao caça-talentos por tê-la ajudado a recuperar a confiança de que havia solução.

Ainda assim, Majima não confia que as redes sociais deveriam assumir os canais já estabelecidos de atendimento. “E se não houver visibilidade, vai chegar até o banco?”, questiona. “Como o SAC para casos de ressarcimento e roubos é deficiente, acabamos apelando para todos os meios de comunicação possíveis, pois ficamos desesperados com a situação. Toda vez, ao ligar no SAC, é preciso explicar novamente toda a situação. No dia do assalto, só soube que minha conta já estava zerada na segunda ligação feita, após perguntar o meu saldo. Ou seja, há uma falta de preparo para esses casos. O atendente recebe um cliente que foi assaltado, logo já poderia fazer uma análise das transações feitas após o horário do roubo e comunicar o cliente já na ligação”, criticou a influencer.

As empresas, por outro lado, já levam em conta as redes sociais como um novo caminho para atendimento ao consumidor. William Ferreira, head de costumer experience (experiência do consumidor) na consultoria Elife, especializada em mídias digitais, explica que hoje busca-se dar autonomia a quem atende as redes sociais das marcas para que a situação possa ser resolvida através do mesmo local em que a empresa tomou conhecimento. “A solução chama ‘autonomia’. Existe um movimento de centralização dos contatos dos consumidores para que suas demandas sejam atendidas do início ao fim no canal no qual se iniciou o contato, sem a necessidade de repasse para outras instâncias resolvedoras. O benefício deste tipo de tratativa é, sem dúvidas, a experiência do cliente que tem suas solicitações atendidas mais rapidamente. As centrais de atendimento estão familiarizadas com a métrica ‘First Call Resolution’, que nos conta sobre a eficiência na resolução de um caso em uma única tratativa. Com autonomia, promovida por uma boa capacitação, os operadores conseguem garantir que não haja transbordo deste caso para outros canais”, analisa. A Elife cuida das redes sociais no Brasil de marcas como Claro, L’Oréal Paris, Honda e Electrolux.

O comentário vai ao encontro da análise professor de marketing digital da ESPM João Finamor. Para ele, apesar do risco de prejuízo à imagem da marca, é possível resolver boa parte dos problemas através de mensagens privadas. “A grande questão é a exposição do problema de modo público. Não vale a pena discutir com o cliente num post ou de forma pública, mas num direct é uma solução superinteligente, já que o cliente está ali. Já vai se encaminhando para uma resolução mais rápida do que por um canal tradicional como telefone ou e-mail”, diz. “A gente sempre fala que quando são problemas na imagem, gestão de crise, a gente tem que minimizar o problema de forma pública e depois resolver o problema de uma forma que faça sentido. A questão é trazer essa pessoa, que tem uma má imagem da empresa, e surpreendê-la com uma solução que vai além do problema”, completa.

Em casos como os de Majima e De Paula, de clientes que já chegam desapontados com o atendimento anterior, Ferreira diz que é necessário ter cuidado redobrado, assim como quando não é possível solucionar a questão imediatamente. “A nossa aposta é sempre a humanização e entendemos por humanização a empatia, criatividade e leveza. Temos sempre em mente que a jornada do consumidor decepcionado não começou naquele momento, naquele canal. Por isso, estar atento para ‘ouvir’ o que ele tem a dizer, propondo uma resposta e solução personalizada, garantem que os nossos feedbacks sejam sempre elevados ao ponto de superarem as tratativas em canais tradicionais. Quando a solução não é imediata, o melhor é garantir que o cliente não se sinta abandonado, promovendo contatos proativos que garantam que seu caso está em tratativa e que a empresa retornará com soluções. Proatividade e transparência são sempre bem-vindas quando o assunto são casos complexos”.

As empresas ainda devem prestar atenção a reclamações mesmo quando não são diretamente marcadas. Estar atento ao debate público em torno da marca é fundamental para tomar ações e garantir uma percepção positiva — ou agir quando esta é negativa. “Cada vez mais se faz necessário técnicas de social listening, de monitoramento, não somente quando cliente vai numa publicação ou quando manda uma mensagem privada. É preciso ver quando a marca é citada. Existem várias ferramentas de social listening que ajudam nessas questões de ver o que o cliente fala da marca, se são comentários positivos, negativos ou neutros. A grande riqueza que a gente tem nas redes sociais são os dados, a etnografia digital, social listening e toda a possibilidade que a gente tem de aprender com o usuário”, avalia João Finamor. No caso dos assaltos, por exemplo, diversos memes quanto à reação dos bancos estar condicionada a um determinado número de curtidas apareceram. A desconfiança permanece, e pode ser mais difícil de recuperar no caso de empresas que buscam se definir como modernas e colocar o relacionamento com os clientes como trunfo, como o Nubank.

Outro caso que pode ser analisado dessa forma é da “descoberta” de que os lanches McPicanha, do McDonald’s, e Whopper Costela, do Burger King (BK), não tinham os cortes de carnes que lhes davam os nomes. O do sanduíche do McDonald’s foi revelado por uma página do Facebook e confirmado pela empresa, enquanto o próprio BK informou sobre seu produto. Ambos os casos tiveram repercussões bastante negativas, e as redes de fast-food terão que prestar esclarecimentos ao Procon-SP e em Comissão do Senado Federal. As duas reagiram de forma diferente: o McDonald’s excluiu o McPicanha do cardápio, enquanto o Burger King anunciou que mudou o nome do produto para Whopper Paleta Suína em uma nota oficial, com linguagem simples e séria, mas jovial.

Finamor faz a ressalva de que são dois casos de possível propaganda enganosa, mas que ambas as empresas lidaram com a situação de maneira correspondente à “persona” das marcas na internet. “O arquétipo do Burger King é um pouco mais ‘fora da lei’ e ‘bobo da corte’, então cabe fazer uma brincadeira. Já vimos eles brincando e debochando com outras coisas, então a condução está coerente com o posicionamento da marca no digital. Já o posicionamento do McDonald’s é o posicionamento inocente, que busca falar com toda a família. Aí, quando tem essa questão, o melhor é tirar o produto do mercado e trazer o pedido de desculpas. Não existe certo ou errado, mas existe algo relacionado ao posicionamento da marca, os arquétipos, os valores e a melhor forma de conduzir. Independentemente da situação e do problema, é preciso agir rápido”, ressalta.

Em resposta aos questionamentos da reportagem, o Burger King apenas encaminhou a mesma nota publicada nas redes sociais. O Banco do Brasil afirma ter resolvido a situação de Bruno de Paula assim que tomou conhecimento, sem demora, e não comentou o de Mônica Majima. A Claro disse que o bloqueio do aparelho ocorreu assim que solicitado. O Nubank e o McDonald’s não responderam até o fechamento desta reportagem. As notas completas podem ser lidas ao fim do texto.

PROTEÇÃO EM CASO DE ASSALTOS

E como evitar passar por situações como as de Bruno e Mônica? José Luiz Santana, responsável pela área de segurança do C6 Bank, outro banco digital, recomenda quatro pontos principais. O primeiro é ter muito cuidado com as senha dos aplicativos dos bancos, que não devem ser anotadas em nenhuma parte do dispositivo, escritas em conversas de Whatsapp, e-mail ou bloco de notas, nem serem usadas em outros apps ou sites. Também não podem ser algo fácil de se descobrir, como datas de nascimentos do dono do aparelho ou de alguém próximo. A segunda dica é acionar instituições financeiras e abrir um boletim de ocorrência imediatamente para estar resguardado juridicamente caso o ladrão tente usar o aparelho para praticar golpes, assinar documentos digitalmente ou outras coisas. O terceiro é deixar configurado os limites para as transações, seja de Pix ou de outras formas de transferência, para que o máximo possível seja próximo do usado no dia a dia. Por fim, usar o sistema operacional do celular em um computador para apagar todos os dados e, se possível, solicitar à fabricante que o próprio aparelho deixe de ser funcional, o que é possível em alguns casos.

Em relação à segurança dos aplicativos, Santana avaliou que sempre é possível “fazer mais e melhorar”. Segundo ele, o C6 busca evitar que os clientes passem de problemas do tipo investindo muito na biometria facial e de outras formas. “Se alguém pede redefinição da senha [em números], automaticamente se deleta o token necessário para fazer transações, e a biometria facial é exigida para desbloquear. Algumas transações, dependendo do score de risco, ou se um pedido de crédito pessoal foi feito logo antes, ou se são muitas em sequências, também pedem biometria facial”, explica.  Segundo ele, a tecnologia que usa o rosto como garantia visa assegurar, em primeiro lugar, que se trata de uma pessoa real à frente da câmera, não uma foto. Em segundo lugar, que é a mesma da imagem captada no momento de abertura da conta. “Ainda assim, sempre tentamos pensar em novos controles para que o risco seja minimizado”, diz.

NOTA DO BANCO DO BRASIL

O Banco do Brasil esclarece que não houve demora no atendimento da ocorrência e que não há suspensão do atendimento nos finais de semana. Tão logo tomamos conhecimento da ocorrência, ações de bloqueio e recuperação foram imediatamente iniciadas. A maior parte dos valores desviados pelos criminosos da conta do cliente foram bloqueados já no final de semana e estornados para sua conta ainda na segunda-feira, 2 de maio. O BB também foi proativo nas transferências enviadas pelos criminosos para outros bancos, com a abertura dos respectivos mecanismos especiais de devolução (MED) junto aos bancos destinatários com vistas a recuperação dos valores subtraídos. Esse processo foi concluído já na sexta-feira, dia 06 de maio, com a devolução total dos valores na conta do cliente.

O BB adota medidas de prevenção a fraudes e orienta seus clientes sempre informar tempestivamente à instituição financeira movimentações suspeitas em sua conta. A comunicação rápida possibilita que as providências devidas possam ser efetuadas o mais breve possível. No caso do BB, o cliente deve recorrer à Central de Relacionamento, agências ou ao SAC para denunciar que foi vítima de golpe ou fraude

Dicas para evitar golpes:

  • Mantenha os sistemas dos celulares ou notebooks sempre atualizados. Nunca usar o recurso de “lembrar/salvar senha” em navegadores e sites;
  • Escolher a opção de acionamento do bloqueio automático de tela mais rápido e desative notificações que são exibidas independentemente do bloqueio de tela inicial;
  • Utilizar os recursos de biometria, reconhecimento facial se os seus dispositivos possuem essa tecnologia e ativar e dupla autenticação em todos as suas contas de internet como e-mail, aplicativos, sites, etc;
  • Anotar o código do IMEI do celular em algum local seguro para bloquear sua linha e o seu aparelho em caso de roubo ou perda. Habilitar a função de rastreio do celular para conseguir apagar os dados do seu aparelho e localizá-lo remotamente, se necessário.

O Banco do Brasil não liga para seus clientes solicitando senhas, atualização de sistemas, liberação de equipamentos, nem orientando a realizar transações em canais digitais. O 4004-0001 é o canal para o cliente entrar em contato com o banco. O banco não realiza ligações a partir desse número.

NOTA DA CLARO

“A Claro informa que, em caso de roubo, furto ou perda do celular, o cliente poderá registrar o boletim de ocorrência (BO) junto às autoridades policiais competentes. Além do registro da ocorrência, a Claro recomenda o bloqueio do dispositivo e também da linha por meio do Serviço de Atendimento ao Consumidor da operadora – 1052. Para bloqueio do smartphone, é importante o cliente ter em mãos o IMEI, disponível na nota fiscal do aparelho. Já para o bloqueio de aplicativos e contas bancárias, é necessário entrar em contato com as empresas responsáveis e os bancos correspondentes. A operadora reforça que cumpre todas as legislações vigentes e as regras que norteiam o setor de telefonia.

*No caso citado pela reportagem o bloqueio foi executado assim que o cliente entrou em contato com a Claro.

É importante reforçar que a gestão de aplicativos de mensagens, redes sociais e de bancos é feita pelas próprias empresas responsáveis.

A Claro dá dicas de segurança para seus clientes no site: claro.com.br/seguranca

NOTA DO BURGER KING

Comentários

Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.