Telefone celular vira arma de ativistas contra jihadistas na Síria
Susana Samhan.
Beirute, 27 nov (EFE).- Os ativistas sírios não contam com mais do que suas próprias palavras e o telefone celular para denunciar os abusos do Estado Islâmico (EI), mas, apesar dos riscos iminentes, esses cidadãos não desistem.
Sobre os 16 membros da organização “Al Raqqah está sendo massacrada em silêncio” pende uma “fatwa”, o édito islâmico dos radicais, que os condenaram a morrer após acusá-los de “apostasia” por trabalhar contra o EI.
Um desses membros, Abu Mohammed, fugiu há semanas da província de Al Raqqah, reduto dos extremistas na Síria, por temor de ser detido.
“Escapei para a Turquia porque fui descoberto pelo EI. Um amigo me avisou e disse para eu fugir porque iam revistar minha casa. Dois dias depois entraram em meu domicílio”, explicou à Agência Efe, pela internet, Abu Mohammed, que também não se sente a salvo no país de amparo porque, assegura, “o EI também opera aqui”.
Os ativistas de seu grupo, que começou a funcionar em abril, usam nomes falsos e 12 deles trabalham distribuídos em distintas áreas da província de Al Raqqah.
Ali, elaboram notícias e fazem fotos e vídeos com seus telefones celulares para documentar os abusos cometidos pelo EI e chamar a atenção sobre a situação humanitária, que depois publicam na internet via Facebook, Twitter e em seu próprio site.
Além de contar com esta rede de “correspondentes”, o grupo tem fontes dentro do EI, sobre as quais Abu Mohammed se recusa a oferecer algum detalhe.
Para estes ativistas, trabalhar em equipe é a melhor forma de se proteger dos radicais, embora não por isso diminua o perigo.
“No passado, perdemos um dos nossos que foi capturado em um posto de controle (do EI). Ele ficou detido por dois meses e depois o executaram”, lembrou.
Um erro pode ser fatal em Al Raqqah, onde, segundo Abu Mohammed, o EI dispõe de espiões que são recompensados com dinheiro, carros e “poder”, além de proteção.
Longe estão os tempos em que os agora ativistas eram estudantes universitários com sonhos ou empregos no setor privado.
O início dos protestos contra o regime de Bashar al Assad em março de 2011 os levou a militar em favor da oposição e, após a intromissão do EI em suas vidas diárias, dedicam seu tempo a denunciar as atrocidades cometidas pelo grupo.
Al Raqqah é a única capital provincial na Síria sob poder dos extremistas, que proclamaram um califado no território sírio e no iraquiano em junho.
Uma trajetória similar seguiram os 12 membros de “Deir ez Zor sob o fogo”, outro grupo de ativistas presente na província de mesmo nome, entre os quais há antigos universitários, médicos, engenheiros e agricultores.
Seu diretor, Wael al Omar, detalhou à Agência Efe, pela internet, que têm desdobrados oito “correspondentes” em zonas que estão sob o domínio do EI.
O grupo também recorre ao material de “jornalistas cidadãos”, “que são algo típico da revolução síria”, sempre e quando cumprem padrões de “clareza e precisão” nas fotografias e nos vídeos, assim como de confiabilidade.
Apesar do risco já existir quando o conflito em Deir ez Zor se limitava à luta entre os rebeldes sírios e as forças governamentais, com a chegada do EI “foi multiplicado em dezenas de vezes”.
Esta província foi tomada em grande parte pelo EI em julho e apenas estão em poder do regime alguns bairros de sua capital homônima e o aeroporto.
Segundo os dados de Al Omar, pelo menos 91 ativistas foram embora de Deir ez Zor desde o avanço dos extremistas e quatro juraram lealdade ao EI perante a impossibilidade de fugir.
“O EI mudou radicalmente a vida” em Deir ez Zor, lamentou Al Omar, que narra o dia a dia neste lugar da Síria no Facebook.
Os radicais criaram campos de treinamento para menores a fim de “lavar seus cérebros” e impôs o “niqab” (véu que tampa todo o corpo, menos os olhos) às mulheres e várias restrições como a proibição de fumar.
Além disso, paralisaram qualquer projeto agrícola, de ajuda, serviços, educação ou saúde nas partes do território que estão em seu poder.
“O EI está nos levando a um desastre real em todos os níveis”, denunciou o ativista.
Apesar deste panorama desolador, Al Omar se mostra resolvido a seguir com seu trabalho, da mesma forma que Abu Mohammed. Tudo isso – asseguram – por uma Síria livre de violência onde sejam respeitados os direitos humanos. EFE
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